terça-feira, 8 de outubro de 2013

Elysium (Elysium)


Dir.: Neill Blomkamp; Escrito por Neill Blomkamp; Com Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley, Alice Braga, Wagner Moura, Diego Luna. 2013 - Sony (109 min. - 16 anos)


"Distrito 9", primeiro longa-metragem do diretor Neill Blomkamp, conseguiu surpreender a todos em 2009, quando se tornou um enorme sucesso de público e crítica ao contar uma história de ficção-científica recheada de efeitos especiais (que deram ao filme, orçado em apenas US$30 milhões, ares de super produção) e com um convincente pano de fundo social, comparando a situação dos aliens que habitam a área que dá nome ao filme àquela vivida pelos negros durante o apartheid sul-africano. Quatro anos depois, Blomkamp retorna com seu novo filme, "Elysium", e a Síndrome do Segundo Filme é facilmente perceptível em todo ele.

Assim como em seu excelente longa de estreia, o diretor apostou aqui em um enredo que mistura a ação e as máquinas dos filmes sci-fi ao uma reflexão social pertinente. No caso de "Elysium", o ano é 2154 e o futuro é extremamente distópico. A Terra, devido à intensa exploração de seus recursos naturais, encontra-se sem um único resquício de verde e sua atmosfera abriga uma permanente nuvem de poluição. As cidades se transformaram em favelas gigantescas, não só em sua arquitetura, mas em sua qualidade de vida também: as condições de saneamento e higiene são péssimas, os índices de criminalidade estão altíssimos e os hospitais encontram-se sobrecarregados.

Porém, em oposição à miséria terrestre, sobrevoa sobre o planeta uma belíssima estação espacial chamada Elysium. É esse o lugar para onde os ricos fugiram quando a situação na Terra saiu do controle e tornou-se irreversível. Lá, graças a uma espécie de "cama curativa", ninguém fica doente nem envelhece. Enfim, é um verdadeiro paraíso. Porém, para manter esse habitat intacto e em pleno funcionamento, são adotadas medidas extremamente rígidas contra a invasão de habitantes da Terra, incluindo o abate de foguetes trazendo pessoas buscando curas para doenças que não podem ser tratadas em solo terrestre.

É nesse ambiente que conhecemos Max, um operário que constantemente entra em conflito com a lei, mesmo que nem sempre essa seja a sua intenção. Porém, após sofrer um grave acidente de trabalho que o deixa com altos níveis de radiação no corpo (o que lhe implica apenas mais três dias de vida), ele decide ir até Elysium para conseguir se curar. Para isso, ele conta com a ajuda de um chefe do crime organizado, que também possui seus interesses na invasão da famosa base espacial, e de uma amiga sua de infância, cuja filha sofre de leucemia e que também busca a sua cura em Elysium. Entretanto, a Secretária de Segurança da base juntamente com um agente de campo clandestino farão de tudo para impedir a chegada deles à Elysium.

Pelo lado positivo, Elysium tem a sua ótima produção. Os efeitos especiais são de primeira linha, a direção de arte de Peter Lando é muito bem feita, os figurinos de April Ferry idem e a fotografia de Trent Opaloch também merece elogios. O filme custou US$115 milhões, mas é tão bem realizado que parece que o orçamento foi ainda maior.

Ainda nos elogios, não há dúvidas de que a premissa de "Elysium" é bastante ambiciosa, especialmente no que diz respeito às suas alegorias. Nas entrelinhas, o longa usa o seu enredo para discutir diversos assuntos, como imigração, desigualdade social, degradação ambiental etc. Em outras palavras, o diretor mostrou ainda ter a preocupação apresentada em "Distrito 9": a de entreter, mas ao mesmo tempo, fazer refletir; e por isso, merece méritos.

Porém, o filme não vai muito além disso em suas qualidades. Se a sua premissa é bem interessante e cria uma grande expectativa, o roteiro em si é uma decepção só. O enredo é até bem construído, mas falta a ele personagens envolventes e uma história que faça jus ao seu argumento intrigante. Além disso, há alguns pontos na narrativa que não fazem o menor sentido, como por exemplo, o fato de os habitantes de Elysium não envelhecerem. Se eles, basicamente, são semi-imortais, não vai chegar uma hora em que a base espacial vai sofrer de superpopulação, assim como a Terra? Se Elysium tem uma estrutura administrativa tão avançada, como é que ninguém nunca pensou nisso? Vai entender...

Outro ponto que me incomodou bastante não só no roteiro, mas no filme como um todo, foi a esteriotipização das duas classes da sociedade. Todos os ricos do filme são maus e, simplesmente, não fazem nada na vida a não ser ficar bebendo drinques ao parapeito da varanda ou tomando banho de sol. Isso sem contar que eles estão sempre fazendo festas em seus jardins sem nenhum motivo aparente. Por outro lado, os pobres são todos uns coitados explorados covardemente pela classe dominante. Enfim, não quero dizer que não haja traços disso na nossa sociedade, mas um filme que se considera tão sério não deveria fazer generalizações tão arriscadas e maniqueístas.

Falando no roteiro, vamos aos personagens. Que bagunça! Em muitos momentos, parece que estamos assistindo a filmes completamente diferentes. De um lado, há personagens mais realistas, de comportamento mais sutil, como o próprio personagem principal, Max, a sua colega e pretendente Frey e seu melhor amigo Julio. Não é por nada que os seus intérpretes, Matt Damon, Alice Braga e Diego Luna, respectivamente, deem as melhores atuações do longa. Mas por outro lado, há uma gama de personagens caricatos, que parecem ter acabado de sair de uma revistinha em quadrinhos de quinta categoria. Os vilões Delacourt (a Secretária de Segurança de Elysium), Kruger (o agente de campo) e John Carlyle (dono da empresa em cuja fábrica Max trabalha) junto com o bandido-amigo Spider são um desastre em caracterização. Por conseguinte, Jodie Foster (com uma aparência à la Christine Lagarde), Sharlto Copley, William Fitchner e Wagner Moura estão bem ruinzinhos. Copley e Moura, então, parecem saídos de desenhos dos Looney Tunes. Enfim, Blomkamp nunca se decide que caminho vai seguir, e com isso, acaba criando um filme com crise de identidade.

Como se isso já não fosse o bastante, o diretor, além de ter mão-pesada para dirigir atores, também exagera em alguns de seus floreiros estilísticos, especialmente a câmera lenta. O tempo inteiro, Blomkamp desacelera o filme para poder mostrar em todos os detalhes a emoção dos personagens ou corpos explodindo. Exagero é pouco para definir.

No geral, "Elysium" não é ruim. Porém, não deixa de ser triste sentir que o filme poderia ter sido infinitamente melhor, caso alguns pontos fossem melhorados - a escolha de um foco, principalmente. Dizem que a prova real de qualquer diretor é o terceiro filme, portanto, vamos torcer que, em seu próximo projeto, Blomkamp aprenda com os erros de sua segunda empreitada no cinema.

NOTA: 2.5/5


domingo, 6 de outubro de 2013

O Mordomo da Casa Branca (Lee Daniels' The Butler)


Dir.: Lee Daniels; Escrito por Danny Strong; Com Forest Whitaker, Oprah Winfrey, David Oyelowo, Cuba Gooding Jr., Lenny Kravitz. 2013 - Diamond Films (132 min. - 14 anos)


O diretor Lee Daniels, por ser negro e homossexual assumido, tem uma grande preocupação em fazer filmes sobre minorias, afinal ele integra duas delas. Em seu projeto de maior prestígio, "Preciosa - Uma História de Esperança", ele contou a saga de uma jovem negra, pobre e obesa que sofre o pão que o Diabo amassou. Em seu longa seguinte, "Obsessão", o diretor usou um enredo de filme policial para analisar a discriminação racial no interior da Flórida. Agora, em "O Mordomo da Casa Branca", Daniels faz um filme bem mais leve e acessível (o que chega a ser surpreendente), mas nem por isso abandona a questão racial norte-americana, tratada aqui de forma mais ampla do que em seus filmes anteriores.

O filme começa com Cecil Gaines, ainda criança, trabalhando numa fazenda de algodão no Sul dos EUA, junto de seus pais. Porém, quando a mãe de Cecil é estuprada pelo capataz da plantação, seu pai vai tirar satisfação e acaba sendo assassinado na sua frente. Com pena do menino, a idosa dona da fazenda decide trazê-lo para dentro da casa e torná-lo um mordomo. Com o passar dos anos, Cecil aprende como servir, como tratar os seus patrões e, principalmente, como se fazer invisível perante a presença dos brancos. Entretanto, chega o momento em que o jovem decide fugir da fazenda e ir para o Norte do país.

Assim, depois de vagar por diversas cidades e invadir uma confeitaria para conseguir comer, onde acaba trabalhando por alguns anos, Cecil consegue um emprego no Hotel Excelsior em Washington D.C., o que depois o levará a trabalhar na Casa Branca. E assim, Cecil Gaines serve sete presidentes norte-americanos (de Einsenhower até Reagan) e, em paralelo, vê as mudanças pelas quais o seu país sofre.

Baseado num artigo do jornal The Washington Post que narra a vida de Eugene Allen, figura que serve de inspiração para o personagem Cecil Gaines, "O Mordomo da Casa Branca" está bem longe de ser um filme original. Ao contrário disso, o longa segue com rigor a cartilha das biografias cinematográficas. Porém, não é isso que faz o filme menos interessante.

A começar pelas ótimas interpretações do elenco. Forest Whitaker está muito bem como o protagonista da história, numa interpretação contida, mas ainda assim, bastante envolvente e sensível, de fácil identificação com o público - seja ele negro ou não. Oprah Winfrey, em seu primeiro papel no cinema desde "Bem-Amada" de 1998, está ótima como Gloria, a esposa alcoólatra e infiel, mas ao mesmo tempo, parceira de Gaines. Pode apostar que a sua performance, aliada à sua fama como a grande apresentadora da tevê americana, vão lhe garantir diversas indicações na próxima temporada de prêmios. David Oyelowo, que já havia mandado muito bem no filme anterior de Daniels, "Obsessão", aqui tem outra ótima atuação como o filho ativista do protagonista. O personagem de Oyelowo, Louis, poderia ter facilmente caído na caricatura do jovem revolucionário, porém o ator, com bastante competência, conseguiu impedir que isso acontecesse.

No rol dos personagens secundários, se destacam Cuba Gooding Jr. e Lenny Kravitz como Carter e James, colegas de trabalho de Cecil. Há ainda, uma quantidade enorme de participações especiais que incluem Vanessa Redgrave (numa rápida aparição como a dona da fazenda de algodão), Mariah Carey (que entra muda e sai calada como a mãe de Cecil), Jane Fonda (em apenas duas cenas, vivendo Nancy Reagan), Terrence Howard (interpretando o vizinho da família Gaines), e como os presidentes, Robin Williams (discreto, como Einsenhower), James Marsden (simpático, como JFK), Liev Schreiber (hilário, como Lyndon Johnson), John Cusack (competente como sempre, vivendo Nixon) e Alan Rickman (muito bom, como Reagan).

O filme também possui outras qualidades, como a reconstituição de época, fruto da direção de arte de Tim Gavin e Diane Lederman e do figurino de Ruth E. Carter, e a bonita trilha sonora, composta pelo português Rodrigo Leão.

O roteiro de Danny Strong, por sua vez, chama a atenção pelo tratamento cuidadoso que dá à história. O filme poderia ter sido apenas mais uma biografia episódica e didática, que não se dá ao trabalho de trazer discussões pertinentes para a tela. Porém, Strong fez o certo, e sabendo que estava tratando de um assunto de extrema importância para a história norte-americana, decidiu escrever um roteiro que constantemente mostra os dois lados da moeda da luta pelos direitos civis dos negros. Daí a enorme importância de se ter como protagonista um funcionário da Casa Branca, uma vez que é ele quem faz a ponte entre a luta nas ruas (representada por Louis, o filho revolucionário) e o que todos esses movimentos significam para a política do país (estampada na figura dos presidentes). Enquanto isso, Cecil, que se encontra entre esses dois mundos, sintetiza a figura do negro americano comum, dividido entre o desejo de ter os mesmos direitos que os brancos e a preocupação com a sua própria segurança em meio a um cenário violento de guerra ideológica. Ao adotar essa postura, o roteiro de Strong se mostra parcial (totalmente a favor das liberdades civis), mas ao mesmo tempo, foge do maniqueísmo do "branco mau versus o negro vitimado". Um acerto que faz toda a diferença entre "O Mordomo da Casa Branca" e outros filmes que tratam do mesmo tema. Porém, não deixa de ser decepcionante, após todo o equilíbrio apresentado, chegar ao final do filme e ter que aguentar um discurso demasiadamente pró-Obama. Tudo bem que ele foi o primeiro presidente negro eleito na história dos EUA, o que faz dele uma figura importante e que deveria ser citada de qualquer jeito no filme, mas todo mundo sabe que o governo Obama está longe de ser algo unânime, até mesmo entre os americanos.

Bem dirigido e com um elenco invejável e em muito boa forma, "O Mordomo da Casa Branca" com certeza vai encontrar seus detratores, que dirão que o filme é apenas mais uma propaganda da "liberdade" e da "democracia" norte-americanas. Porém, há o outro grupo, no qual me incluo, que dirão que o filme de Lee Daniels é uma aula de História divertida e bem contada.

NOTA: 4/5



Como não Perder essa Mulher (Don Jon)


Dir.: Joseph Gordon-Levitt; Escrito por Joseph Gordon-Levitt; Com Joseph Gordon-Levitt, Scarlett Johansson, Julianne Moore, Tony Danza. 2013 - Imagem Filmes (90 min. - 14 anos)


Como seu apelido já deixa bem claro, Jon é um verdadeiro mulherengo, um ímã de mulheres em pessoa. Ele vai à sua boate favorita, escolhe a mulher que mais lhe atrai (sem não antes classificá-la em uma escala de 1 a 10), dança sensualmente com ela, fica com ela pelos cantos, e por fim, a leva para sua casa. Além do sexo, Jon é apaixonado por seu corpo, por seu apartamento, por sua família, por seu carro, pela Igreja, por seus amigos, pelas mulheres e, principalmente, pela pornografia. Não há um dia sequer em que ele não entre em diversos sites de sacanagem e se masturbe várias vezes.

Até aí, tudo bem. Afinal, cada um faz o que quer de sua vida. Porém, tudo muda quando Jon encontra a sua garota número 10, a voluptuosa Barbara Sugarman. Entretanto, ela é difícil. Não, ele não consegue levar ela para casa de primeira, pelo contrário, Bárbara é daquelas mulheres que se leva para jantar e também ao cinema. Enfim, Barbara é a mulher que Jon nunca imaginaria encontrar. Porém, só há uma coisa no meio do caminho para o final feliz: o vício de Jon em pornografia.

Estreia na direção do ator Joseph Gordon-Levitt, "Como não Perder essa Mulher" (vai entender esse título...) busca trazer originalidade ao gênero da comédia romântica. O filme fala abertamente sobre sexo e mostra (quase sem pudor) cenas de filmes pornô, o que por si só já o faz diferente da safra recente de comédias românticas hollywoodianas. Além disso, ao contar a história do ponto-de-vista de um homem, o longa também se destaca, uma vez que, geralmente, as histórias do gênero são protagonizadas por mulheres. Em poucas palavras, Gordon-Levitt quis fazer uma comédia romântica que os homens tivessem vontade de ver e com a qual eles pudessem se identificar.

A intenção é nobre, mesmo que o filme como um todo não faça jus a isso. Apesar de ser uma comédia, "Como não Perder essa Mulher" não é especialmente engraçado, ao contrário, talvez tente ser engraçado até demais. O filme possui, sim, os seus momentos genuinamente cômicos, como quando Jon sai pela primeira vez com Barbara, mas na maior parte, o longa é mais curioso do que realmente engraçado.

O filme peca também ao pesar demais a mão na história da pornografia. Tudo bem que esse é o grande vício do protagonista, porém, após um determinado momento, essa história toda começa a cansar. O diretor insiste em usar periodicamente ao longo do filme imagens e mais imagens de filmes pornô. Tem de tudo: cachorrinho, cowboy, sexo oral, cunete... Enfim, fica um pouco demais, desnecessário até.

Por outro lado, por ser, em primeiro lugar, ator, Gordon-Levitt consegue tirar o melhor de seu elenco. Ele mesmo está bem como o protagonista da história, mas além dele há também performances bastante interessantes de Tony Danza e Glenne Headley como os pais de Jon, e de Brie Larson, vivendo a irmã entediada e que dá mais atenção ao seu celular do que aos seus familiares. Há ainda Julianne Moore, como uma colega de faculdade de Jon, mais uma vez mostrando o porquê dela ser uma das melhores atrizes da atualidade. Não é uma grande performance dela, mas nem por isso ela não é competente e cumpre bem o seu papel.

Porém, a grande estrela do filme é Scarlett Johansson! A atriz, que sempre fez questão de mostrar suas curvas nos tapetes vermelhos, aqui faz de Barbara Sugarman uma das melhores personagens de sua carreira. Falando com um sotaque típico de New Jersey, fazendo poses cheia de desenvoltura e usando roupas que deixariam qualquer periguete morrendo de inveja, Johansson demonstra o seu ótimo timing cômico e faz uma dupla muito boa com Gordon-Levitt. Enfim, o filme já valeria só pela performance dela.

Apesar de estar longe de figurar entre as melhores comédias românticas, "Como não Perder essa Mulher" consegue superar, em parte, as suas falhas graças ao seu elenco afinado e às sacadas inteligentes de seu roteiro. Enfim, estou curioso para ver o que Joseph Gordon-Levitt nos trará a seguir.

NOTA: 3/5