domingo, 6 de outubro de 2013

O Mordomo da Casa Branca (Lee Daniels' The Butler)


Dir.: Lee Daniels; Escrito por Danny Strong; Com Forest Whitaker, Oprah Winfrey, David Oyelowo, Cuba Gooding Jr., Lenny Kravitz. 2013 - Diamond Films (132 min. - 14 anos)


O diretor Lee Daniels, por ser negro e homossexual assumido, tem uma grande preocupação em fazer filmes sobre minorias, afinal ele integra duas delas. Em seu projeto de maior prestígio, "Preciosa - Uma História de Esperança", ele contou a saga de uma jovem negra, pobre e obesa que sofre o pão que o Diabo amassou. Em seu longa seguinte, "Obsessão", o diretor usou um enredo de filme policial para analisar a discriminação racial no interior da Flórida. Agora, em "O Mordomo da Casa Branca", Daniels faz um filme bem mais leve e acessível (o que chega a ser surpreendente), mas nem por isso abandona a questão racial norte-americana, tratada aqui de forma mais ampla do que em seus filmes anteriores.

O filme começa com Cecil Gaines, ainda criança, trabalhando numa fazenda de algodão no Sul dos EUA, junto de seus pais. Porém, quando a mãe de Cecil é estuprada pelo capataz da plantação, seu pai vai tirar satisfação e acaba sendo assassinado na sua frente. Com pena do menino, a idosa dona da fazenda decide trazê-lo para dentro da casa e torná-lo um mordomo. Com o passar dos anos, Cecil aprende como servir, como tratar os seus patrões e, principalmente, como se fazer invisível perante a presença dos brancos. Entretanto, chega o momento em que o jovem decide fugir da fazenda e ir para o Norte do país.

Assim, depois de vagar por diversas cidades e invadir uma confeitaria para conseguir comer, onde acaba trabalhando por alguns anos, Cecil consegue um emprego no Hotel Excelsior em Washington D.C., o que depois o levará a trabalhar na Casa Branca. E assim, Cecil Gaines serve sete presidentes norte-americanos (de Einsenhower até Reagan) e, em paralelo, vê as mudanças pelas quais o seu país sofre.

Baseado num artigo do jornal The Washington Post que narra a vida de Eugene Allen, figura que serve de inspiração para o personagem Cecil Gaines, "O Mordomo da Casa Branca" está bem longe de ser um filme original. Ao contrário disso, o longa segue com rigor a cartilha das biografias cinematográficas. Porém, não é isso que faz o filme menos interessante.

A começar pelas ótimas interpretações do elenco. Forest Whitaker está muito bem como o protagonista da história, numa interpretação contida, mas ainda assim, bastante envolvente e sensível, de fácil identificação com o público - seja ele negro ou não. Oprah Winfrey, em seu primeiro papel no cinema desde "Bem-Amada" de 1998, está ótima como Gloria, a esposa alcoólatra e infiel, mas ao mesmo tempo, parceira de Gaines. Pode apostar que a sua performance, aliada à sua fama como a grande apresentadora da tevê americana, vão lhe garantir diversas indicações na próxima temporada de prêmios. David Oyelowo, que já havia mandado muito bem no filme anterior de Daniels, "Obsessão", aqui tem outra ótima atuação como o filho ativista do protagonista. O personagem de Oyelowo, Louis, poderia ter facilmente caído na caricatura do jovem revolucionário, porém o ator, com bastante competência, conseguiu impedir que isso acontecesse.

No rol dos personagens secundários, se destacam Cuba Gooding Jr. e Lenny Kravitz como Carter e James, colegas de trabalho de Cecil. Há ainda, uma quantidade enorme de participações especiais que incluem Vanessa Redgrave (numa rápida aparição como a dona da fazenda de algodão), Mariah Carey (que entra muda e sai calada como a mãe de Cecil), Jane Fonda (em apenas duas cenas, vivendo Nancy Reagan), Terrence Howard (interpretando o vizinho da família Gaines), e como os presidentes, Robin Williams (discreto, como Einsenhower), James Marsden (simpático, como JFK), Liev Schreiber (hilário, como Lyndon Johnson), John Cusack (competente como sempre, vivendo Nixon) e Alan Rickman (muito bom, como Reagan).

O filme também possui outras qualidades, como a reconstituição de época, fruto da direção de arte de Tim Gavin e Diane Lederman e do figurino de Ruth E. Carter, e a bonita trilha sonora, composta pelo português Rodrigo Leão.

O roteiro de Danny Strong, por sua vez, chama a atenção pelo tratamento cuidadoso que dá à história. O filme poderia ter sido apenas mais uma biografia episódica e didática, que não se dá ao trabalho de trazer discussões pertinentes para a tela. Porém, Strong fez o certo, e sabendo que estava tratando de um assunto de extrema importância para a história norte-americana, decidiu escrever um roteiro que constantemente mostra os dois lados da moeda da luta pelos direitos civis dos negros. Daí a enorme importância de se ter como protagonista um funcionário da Casa Branca, uma vez que é ele quem faz a ponte entre a luta nas ruas (representada por Louis, o filho revolucionário) e o que todos esses movimentos significam para a política do país (estampada na figura dos presidentes). Enquanto isso, Cecil, que se encontra entre esses dois mundos, sintetiza a figura do negro americano comum, dividido entre o desejo de ter os mesmos direitos que os brancos e a preocupação com a sua própria segurança em meio a um cenário violento de guerra ideológica. Ao adotar essa postura, o roteiro de Strong se mostra parcial (totalmente a favor das liberdades civis), mas ao mesmo tempo, foge do maniqueísmo do "branco mau versus o negro vitimado". Um acerto que faz toda a diferença entre "O Mordomo da Casa Branca" e outros filmes que tratam do mesmo tema. Porém, não deixa de ser decepcionante, após todo o equilíbrio apresentado, chegar ao final do filme e ter que aguentar um discurso demasiadamente pró-Obama. Tudo bem que ele foi o primeiro presidente negro eleito na história dos EUA, o que faz dele uma figura importante e que deveria ser citada de qualquer jeito no filme, mas todo mundo sabe que o governo Obama está longe de ser algo unânime, até mesmo entre os americanos.

Bem dirigido e com um elenco invejável e em muito boa forma, "O Mordomo da Casa Branca" com certeza vai encontrar seus detratores, que dirão que o filme é apenas mais uma propaganda da "liberdade" e da "democracia" norte-americanas. Porém, há o outro grupo, no qual me incluo, que dirão que o filme de Lee Daniels é uma aula de História divertida e bem contada.

NOTA: 4/5



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