domingo, 26 de maio de 2013

Terapia de Risco (Side Effects)


Dir.: Steven Soderbergh; Escrito por Scott Z. Burns; Com Jude Law, Rooney Mara, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum. 2013 - Diamond Films (106 min. - 14 anos)


Há cerca de um ano ou dois atrás, o diretor norte-americano Steven Soderbergh anunciou que iria fazer uma pausa de tempo indeterminado em sua carreira cinematográfica para passar a pintar em tempo integral. Apesar da surpresa, não é difícil de entender a sua decisão. Extremamente prolífico (26 filmes em 24 anos), o diretor além de dirigir também edita e fotografa a maioria de seus filmes sob os pseudônimos Mary Ann Bernard e Peter Andrews, o que torna a produção de seus filmes algo muito exaustivo. Além disso, na época em que fez as polêmicas declarações, o diretor já tinha engatilhado três longas: "Magic Mike" (estreou em 2012), "Behind the Candelabra" (recém-exibido no Festival de Cannes) e este "Terapia de Risco, que estreou nos EUA no início do ano e que chegou agora ao Brasil. Sobre "Magic Mike", tenho que admitir que fiquei decepcionado, quanto a "Behind the Candelabra", este, apesar de ter sido exibido em Cannes (onde recebeu muitos aplausos), foi realizado como um telefilme para a HBO. Sobra, então, "Terapia de Risco", que, oficialmente falando, é o último filme de Soderbergh direcionado para as telonas e, novamente, fiquei decepcionado.

Roteirizado por Scott Z. Burns, que colaborou com o diretor no eficiente "Contágio", o longa acompanha Emily, uma jovem que espera ansiosamente a saída de seu marido da prisão. Quando este é finalmente libertado, a moça começa a se sentir uma má esposa, incapaz de ajudá-lo a se reintegrar na sociedade, e por isso, tenta se suicidar ao bater, propositalmente, o carro contra uma parede.

No hospital, enquanto se recupera do "acidente", Emily conhece o dr. Jonathan Banks, que de imediato percebe as reais intenções da jovem. Para evitar que um novo desastre aconteça, a moça se dispõe a iniciar um tratamento psiquiátrico com Banks. Dessa forma, Emily começa a tomar antidepressivos, que, a curto prazo, realmente melhoram a sua vida conjugal e sexual. Porém, quando os efeitos colaterais dos remédios começam a aparecer, tudo muda e a jovem comete um crime enquanto estava sob o efeito das drogas. Crime esse que terá consequências graves tanto à paciente quanto ao médico.

O ponto de partida do filme é realmente interessante, uma vez que cria todo o cenário para o que poderia ser um intrigante thriller ou até mesmo um intenso filme de tribunal. Porém, se inicialmente o filme se apresenta como uma incisiva crítica à cultura dos remédios nos EUA, onde até anúncios de remédios tarja preta são veiculados em rede nacional, em pouco tempo o longa começa a perder força, tanto que até mesmo a primeira grande reviravolta da história não causa muito impacto. 

Ainda assim, não me dei por vencido e fiquei esperando que o filme finalmente engrenasse. Entretanto, isso não aconteceu. Parecendo que estava sob o efeito de antidepressivos, assim como sua protagonista, em nenhum momento o filme empolga ou cria qualquer tipo de tensão, algo que esperava que acontecesse durante o julgamento de Emily. Por sinal, esse trecho é muito mal aproveitado, já que daria chance aos realizadores do filme questionarem mais uma vez o consumo abusivo de remédios pesados pela população norte-americana, como também usaria o mote dramático do "quem é culpado?": a paciente que cometeu o crime ou o médico que não interrompeu o tratamento? 

Ao invés disso, a trama resolve focar na figura do médico que tenta descobrir se Emily estava realmente drogada na hora do crime ou se foi tudo intencionado, assim como o seu suicídio. Já achei essa escolha equivocada, mas se, no mínimo, a história tivesse uma conclusão satisfatória, até que isso não seria um grande problema. Porém, o clímax do filme é ridículo e até mesmo apelativo, sendo digno dos piores novelões das oito. Mas o mais engraçado é que essa péssima revelação é levada super a sério, o que deixa a situação ainda pior.

Entretanto, apesar dos pesares, o filme está longe de ser um fracasso e serve até mesmo de entretenimento passageiro. Entre suas qualidades estão, como de costume, o trabalho de Soderbergh (ou Peter Andrews, como preferir) na direção de fotografia do filme e o desempenho do elenco, encabeçado por Rooney Mara, Jude Law, Catherine Zeta-Jones e Channing Tatum, que apesar de não estarem memoráveis, conseguem cumprir direitinho os seus respectivos papéis.

Assim como todo diretor com uma média impressionante de um ou até dois filmes por ano, Soderbergh possui uma filmografia de altos e baixos, e "Terapia de Risco" está entre esses últimos. Porém, ainda temos que conferir "Behind the Candelabra" para termos a total certeza se o período sabático foi uma boa ou má escolha do prolífico realizador.

NOTA: 2.5/5


Em Transe (Trance)


Dir.: Danny Boyle; Escrito por Joe Ahearne e John Hodge; Com James McAvoy, Vincent Cassel, Rosario Dawson. 2013 - Fox (101 min. - 16 anos)


Como todo mundo sabe, o diretor Danny Boyle foi o responsável por todo o espetáculo de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres de 2012, isto é, se você adorou as criancinhas dançando em cima de macas de hospital ou do esquete que mostrava o encontro da Rainha Elizabeth II com James Bond, pode agradecer a ele. Porém, quem é conhecedor da filmografia de Boyle sabe que o diretor adora fazer filmes bem sanguinolentos, que em nada se assemelham à sua abertura das Olimpíadas. Portanto, não é de se espantar que em meio aos preparativos à grande festa do esporte, o diretor resolveu filmar um filme menor, mas nem por isso menos ambicioso: "Em Transe".

Protagonizado por Simon, segurança de uma casa de leilões londrina, o filme tem como ponto de partida um assalto feito por uma gangue que visava roubar o quadro "Voo das Bruxas" do pintor espanhol Goya. Durante o assalto, Simon quebra o protocolo e tenta impedir o roubo, o que faz com que o líder da gangue, Franck, lhe dê uma porrada na cabeça, deixando-o desacordado.

Pouco depois, quando Franck descobre que só roubou a moldura do quadro, ficamos sabendo que Simon estava mancomunado com a gangue desde início e que o seu dever era exatamente facilitar o furto da obra. Porém, surge uma dúvida: onde está quadro? Quem sabe disso é Simon, entretanto, como consequência da pancada que levara na cabeça, ele sofreu um tipo de amnésia, que fez com que ele esquecesse onde ele tinha deixado o quadro.

Para resolver o problema, uma vez que as sessões de tortura não estavam dando resultados, Franck decide contratar um hipnotizador que possa buscar dentro dos confins do cérebro de Simon a lembrança do local onde o quadro está guardado. É aí que entra Elizabeth na história, e o que começa como uma mera relação profissional se torna um triângulo amoroso pra lá de intrincado entre a moça, Franck e Simon.

Primeiro de tudo, ficam os elogios à direção de Boyle, que continua muito boa tanto técnica quanto artisticamente. A produção de "Em Transe" é toda de primeira: a fotografia inspirada de Anthony Dod Mantle (que usa e abusa de reflexos de espelhos e paredes de vidro); a edição frenética, mas compreensível, de Jon Harris; a direção de arte etc. Tudo contribui para um longa esteticamente impecável.

Além disso, o elenco está em ótima forma. James McAvoy faz ótimo uso de seu carisma para deixar Simon agradável ao público, mesmo que ele seja um homem endividado pelo jogo e de caráter, no mínimo, duvidoso. Vincent Cassel está bem como o vilão Franck, um homem que começa o filme puramente mal, mas que com o passar do tempo deixa o seu coração aparecer, e Rosario Dawson, como Elizabeth, é a que mais se destaca dentre o elenco, não só por ser a única mulher, mas também por ter a personagem mais complexa do trio de protagonistas.

Entretanto, estaria mentindo se dissesse que "Em Transe" não tem alguns problemas sérios, principalmente em seu roteiro. Escrito por Joe Ahearne e John Hodge, o argumento do filme tem uma premissa bastante interessante e inusitada, do mesmo modo que funciona muito bem como thriller, especialmente em sua primeira metade. Entretanto, não há como negar que quanto mais a história avança, mais ela dá sinais de esgotamento. Quando o romance entre os três protagonistas começa a florescer, sente-se que o filme perde parte de seu impacto inicial, o que não deixa de causar uma certa decepção. Porém, nada supera a grande revelação final, que, apesar de ter algumas boas ideias, por vezes parece simplesmente absurda e até mesmo ridícula demais. Enfim, é um daqueles casos em que parece que os roteiristas começaram o trabalho bastante animados, mas foram perdendo a euforia com o tempo.

Mesmo assim, "Em Transe" está longe de ser um desperdício de tempo. Se o filme tem lá as suas falhas de roteiro, essas são quase completamente compensadas pelo bom trabalho de Boyle por trás das câmeras, pelo desempenho dos atores na frente destas e por sua ótima primeira hora.

NOTA: 3.5/5


domingo, 12 de maio de 2013

Dentro da Casa (Dans la Maison)


Dir.: François Ozon; Escrito por François Ozon; Com Fabrice Luchini, Ernst Umhauer, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner. 2012 - Califórnia Filmes (105 min. - 14 anos)


Desde os períodos mais remotos da História da humanidade, o homem sempre gostou de ouvir e contar histórias. Dramas, comédias, contos de fadas... Enfim, qualquer hora era hora de contar histórias. Não é de se espantar, portanto, o quanto a prensa de Gutenberg foi importante para todos nós, já que foi ela que possibilitou que histórias de diversos cantos do mundo fossem conhecidos em outros diversos cantos do mundo. E assim, a literatura, aliada às outras artes, se tornou um fator importantíssimo para a formação das culturas nacionais; até que chegou o cinema, que potencializou ainda mais o alcance de uma narrativa, dando-lhe novos traços e possibilidades. Por isso, por brincar com a importância das histórias na vida das pessoas, que "Dentro da Casa" é um filme tão bom.

Dirigido por François Ozon, o filme acompanha Germain, um professor de Francês que se vê desiludido com a vida e com seus alunos - que a cada ano parecem cada vez mais burros. Um dia, porém, ao corrigir uma bateria de redações deploráveis, ele lê uma que se destaca das outras; trata-se do texto de Claude Garcia. Em sua redação, o menino descreve o dia em que foi estudar na casa de um colega seu de turma, Rapha Artole. Porém, se a princípio a redação de Claude parece ser banal, tudo muda quando ele escreve "continua" no final do texto, o que desperta uma grande curiosidade em Germain. O professor, então, acaba encontrando um sentido para sua vida: incentivar aquele aluno a terminar de escrever aquela história, mesmo que isso abale a sua vida e a dos outros. Daí inicia-se uma história que mistura drama, comédia e suspense, e que prende o espectador do início ao fim.

Grande parte do sucesso de "Dentro da Casa" deve-se ao roteiro exemplar de Ozon. Como disse acima, o longa é uma amálgama de diversos gêneros, o que poderia ter resultado, nas mãos de um roteirista inexperiente, uma grande bagunça, que não saberia como equilibrar os diferentes tons da narrativa. Porém, Ozon consegue ultrapassar esse obstáculo e equilibra muito bem a comédia com o drama e o suspense. Em nenhum momento se sente que o filme dê prioridade a algum gênero específico; pelo contrário, é até difícil enquadrá-lo em alguma categoria.

Além disso, os personagens inventados por Ozon são bastante interessantes e complexos. Tudo começa com os dois protagonistas, Germain e Claude. Germain, num primeiro momento, é mostrado como um homem frio, que já perdeu as esperanças com a nova geração. Porém, com a entrada de Claude, a figura de Germain muda completamente, mostrando-se um homem manipulável e falho. Por outro lado, Claude inicia o filme como um garoto que apenas quer melhorar suas notas em Francês, mas que com o passar do tempo se mostra um jovem bastante maturo, e, por vezes, até mais inteligente do que seu próprio mestre. Por isso, a relação professor-aluno é bastante interessante, uma vez que as personalidades se invertem com o desenrolar da trama. Entretanto, vale a pena lembrar que as ótimas atuações de Fabrice Luchini (Germain) e Ernst Umhauer (Claude) são essenciais para trazer ainda mais vida ao texto, que já é de ótima qualidade.

Porém, o aspecto mais envolvente do roteiro de "Dentro da Casa" é a dualidade com a qual a trama se apresenta. Uma vez que todos os acontecimentos que ocorrem dentro da casa dos Artole são narrados por Claude em suas redações, não há como o espectador saber o que é verdade e o que é mentira. Fica no ar, portanto, uma contante dúvida, principalmente depois que Germain passa a dar dicas para Claude sobre como deixar a sua história mais emocionante.

A única ressalva que faço ao roteiro é às cenas relacionadas à inauguração da galeria de arte de Jeanne, esposa de Germain. Apesar de possuírem um ótimo senso de humor e de conterem uma química deliciosa entre Luchini e Kristin Scott Thomas, esses trechos, por vezes, parecem servir de mero alívio cômico à trama principal. Não é nada que prejudique o andamento do filme, mas também não é algo imperceptível.

Além do ótimo roteiro, "Dentro da Casa" conta com uma direção primorosa de Ozon. O diretor é daqueles que além de saber dirigir muito bem o seu elenco, consegue fazer um filme de extremo bom gosto, mesmo quando a sua história caminha por assuntos polêmicos, como o caso amoroso entre um adolescente e uma mulher de meia idade. Por causa disso, elogios devem ser feitos à fotografia de Jérôme Alméras e a todo o resto da equipe.

Um dos melhores filmes deste início de 2013, "Dentro da Casa" é um exemplo de como fazer cinema acessível e inteligente, mostrando que esse dois adjetivos, com um pouco de esforço, combinam tanto quanto cinema e pipoca.

NOTA: 4/5