quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Behind the Candelabra


Dir.: Steven Soderbergh; Escrito por Richard LaGravenese; Com Michael Douglas, Matt Damon, Dan Aykroyd, Rob Lowe. 2013 - HBO Films (118 min. - 16 anos)


Como já se sabe, Steven Soderbergh decidiu ausentar-se do cinema por tempo indeterminado para poder se dedicar à sua carreira de pintor. Logo após esse anúncio veio a curiosidade de toda a comunidade cinéfila em saber quais seriam os últimos longas do diretor antes de sua aposentadoria. Seus dois trabalhos de 2012, o longa de ação "À Toda Prova" e a comédia dramática "Magic Mike" eram bons, mas não deixavam de ser decepcionantes. Para 2013, Soderbergh preparou dois filmes, sendo o primeiro deles o thriller "Terapia de Risco", uma história que começa boa, mas que termina de um jeito desastroso. Porém, como não é burro nem nada, Soderbergh deixou o melhor para o final, a deliciosa cinebiografia de Liberace "Behind the Candelabra".

Lançado como telefilme da HBO (nenhum estúdio quis bancar o projeto por ser "gay demais"!), "Candelabra" tem como personagem principal, na verdade, Scott Thorson, um treinador de animais que de uma hora para outra tem a sua vida completamente modificada. Tudo isso acontece quando, em um bar, Scott conhece Bob Black, um amigo do mais famoso pianista norte-americano, Liberace.

Um dia, então, Bob leva Scott a um show de Liberace e, em seguida, o leva ao camarim do artista, quando fica claro que o renomado músico quer mais do que apenas um aperto de mão do jovem. A partir daí, Scott vai ficando cada vez mais íntimo de Liberace até que os dois finalmente engatam um relacionamento, e é exatamente esse período - mais especificamente, seis anos - que o filme aborda.

Em primeiro lugar, deve-se louvar as performances dos dois protagonistas do longa. Como Liberace, Michael Douglas arrasa nos trejeitos, no jeito de falar, no caminhar... Enfim, ele literalmente incorpora o pianista e faz dessa uma das melhores atuações de sua carreira. Não é por nada que ele ganhou o Emmy de melhor ator por seu desempenho e posso apostar que caso o filme tivesse sido exibido nos cinemas, ele seria um candidato certo ao Oscar também. Em poucas palavras, é simplesmente o tipo de performance que não dá para esquecer tão facilmente. Daí entende-se porque Soderbergh fez questão de esperar Douglas terminar o tratamento de seu câncer para só então rodar o filme.

Porém, apesar de Douglas roubar a cena, Matt Damon também está excelente como Scott. É, sem dúvida, uma performance mais contida do que a de Douglas, mas mesmo assim não é menos competente. Seu personagem passa por diversos altos e baixos durante o filme, o que faz com que Damon tenha que saber lidar com as transições entre o drama e a comédia, e ele se sai extremamente bem nesse aspecto, não caindo em nenhum momento na caricatura ou no melodrama.

Entretanto, vale a pena ressaltar também a breve, mas hilária participação de Rob Lowe como o dr. Jack Startz, cirurgião plástico de Liberace. O personagem é extremamente difícil, uma vez que poderia ter facilmente caído na chanchada, afinal o sujeito tem o rosto lotado de botox e possui um bronzeado visivelmente falso, porém Lowe é o destaque sempre que aparece e, ainda, evita exagerar mais do que o papel exige.

Como estamos falando de um filme de Steven Soderbergh, não há como não falar de seu trabalho de fotografia sob o pseudônimo de Peter Andrews. Adotando uma palheta amarelada para as cenas internas, o diretor realça o luxo e a exuberância da vida levada pelo pianista, porém nas cenas dos shows, Soderbergh resolve dar ênfase ao brilho excessivo das peças do figurino de Liberace, adotando, portanto, um visual mais convencional, mas com uma iluminação mais forte. A única ressalva é ao uso da câmera na mão em alguns momentos do último ato. Apesar do recurso ser usado para intensificar a sensação de insegurança de Scott Thorson num trecho bem tenso da história, o tremelique da câmera não combina com a técnica adotada no resto do filme, ficando deslocado no contexto geral.

Elogios ainda devem ser feitos ao trabalho da figurinista Ellen Mirojnick, que já havia trabalhado antes em projetos bastante kitsch, como "Tropas Estelares" e "Showgirls", ambos do holandês Paul Verhoeven. Isso obviamente colaborou para o seu excelente trabalho em "Behind the Candelabra", no qual reproduziu com fidelidade diversos trajes de Liberace, como também criou novas peças de vestuário para os outros personagens do filme. Há também a produção de arte impecável do trio Howard Cummings, Patrick M. Sullivan Jr. e Barbara Munch, que trazem para a tela o mundo cafona de Liberace, e o importantíssimo trabalho de maquiagem, muito bem realizado.

O roteiro de Richard LaGravenese é impecável. Os diálogos são muito bem escritos e a história é contada de uma forma fluente, sem parecer apenas uma sucessão de fatos, mas sim uma conturbada e interessantíssima história de amor acompanhada de observações sobre a cultura da celebridade, a importância dada à idade pela sociedade contemporânea e a questão da homossexualidade, que nos anos 1980 - período no qual o filme é ambientado -, ainda era tabu, mas que vinha sendo empurrado com urgência para uma sociedade conservadora devido ao advento da AIDS.

Embalado por uma ótima trilha sonora de Marvin Hemlisch, em seu último trabalho antes de sua morte em agosto de 2012, "Behind the Candelabra" pode ser considerado desde já um dos filmes mais interessantes de 2013 e um canto do cisne respeitável para o diretor Steven Soderbergh.

NOTA: 4/5


terça-feira, 12 de novembro de 2013

Minha Vida Dava um Filme (Girl Most Likely)


Dir.: Shari Springer Berman e Robert Pulcini; Escrito por Michelle Morgan; Com Kristen Wiig, Annette Bening, Matt Dillon, Darren Criss. 2012 - Paris Filmes (103 min. - 12 anos)


O lançamento de "Minha Vida Dava um Filme" nos cinemas brasileiros é realmente surpreendente. Mesmo sendo exibido apenas em circuito limitado, o filme é uma receita certa para o fracasso comercial no Brasil. É uma dramédia (drama com comédia) tipicamente americana com um elenco longe de ser garantia de sucesso, dirigida por realizadores conhecidos apenas no circuito independente e que foi mal de bilheteria até mesmo em sua terra natal.

Porém, não resisti à tentação e fui conferir o filme por dois motivos. O primeiro é que a protagonista é interpretada por Kristen Wiig, ótima comediante egressa do Saturday Night Live e que fez sucesso há dois anos com "Missão Madrinha de Casamento", longa que estrelou e co-escreveu (este último cargo rendendo-lhe uma indicação ao Oscar). Além disso, há também a presença da excelente atriz Annette Bening como a mãe da personagem de Wiig. Em segundo lugar, a dupla de diretores responsável pelo longa, Shari Springer Berman e Robert Pulcini, dirigiu algumas comédias bastante inofensivas, mas bem divertidas, como "Os Acompanhantes" e o novo clássico da Sessão da Tarde, " O Diário de uma Babá".

Enfim, com esses nomes envolvidos, sabia que mesmo se o filme não fosse grandes coisas, eu iria acabar me divertindo. Porém, nada me preparava para o pior. "Minha Vida Dava um Filme" é um verdadeiro desastre e não merecia nem passar perto de uma tela de cinema.

O filme acompanha uma mulher de trinta e tantos anos chamada Imogene. Nascida em New Jersey, Imogene se mandou para Manhattan assim que pôde, uma vez que sentia vergonha de sua mãe viciada em jogo e de seu irmão pouco sociável e viciado em crustáceos. Ao chegar a Nova York, ela se torna uma promessa da dramaturgia norte-americana, porém por um azar tremendo, essa promessa nunca se concretiza e ela acaba se tornando uma espécie de namorada-troféu de um jovem bem abastado e escritora de sinopses de peças de teatro para uma revista.

Entretanto, quando ela espera finalmente se casar com o seu "namorido", ele lhe dá um pé na bunda e exige que ela retire as suas coisas de dentro do apartamento onde moram. Paralelamente a isso, Imogene perde o emprego na revista quando ela começa a fazer o seu trabalho do jeito que ela quer e não como a sua chefe manda.

Por causa disso tudo, Imogene resolve tomar uma medida drástica: inventar um falso suicídio para, pelo menos, reaver o seu namorado de volta e, assim, não ficar na sarjeta. Porém, o plano dá errado e todos acabam levando a sério o seu "suicídio", obrigando-a a ficar sob a observação de sua mãe, fazendo com que ela volte para New Jersey e lá fortaleça os laços com sua família e também descubra um surpreendente segredo.

Sim, a história é nada inventiva (a não ser pelo falso suicídio), porém no já citado "O Diário de uma Babá", a dupla Springer Berman-Pulcini conseguiu pegar uma premissa bem boba e transformá-la em um filme com um ótimo senso de humor e sacadas bastante pertinentes. Porém, aqui parece que isso se perdeu. Apesar de ter vários pontos em comum com os outros projetos dos diretores, em especial os personagens extravagantes, "Minha Vida Dava um Filme" parece uma versão piorada dos longas anteriores da dupla.

Em primeiro lugar, o pontapé do enredo - o tal "suicídio" - não faz muito sentido. Tudo bem que a protagonista está passando por um momento difícil em sua vida, mas tudo acontece rápido demais, de forma que esse aspecto da história pareça mais bobo e idiota do que a roteirista Michelle Morgan e os diretores queriam que parecesse, uma vez que não é dado tempo o suficiente para o espectador acreditar na intenção que faz com que Imogene cometa essa loucura.

Continuando no roteiro, o texto de Morgan é de uma ruindade atroz. A família da protagonista é bem disfuncional, mas até aí tudo bem, afinal não faltam filmes bons sobre famílias disfuncionais. Porém, a roteirista erra a mão diversas vezes ao apresentar esse grupo de personagens. Zelda, a mãe de Imogene, é dentre os "loucos" do filme, a figura mais interessante e crível também. Entretanto, Morgan não dá à personagem tempo o suficiente para mostrar uma outra faceta, mais sensível e mais pé-no-chão, transformando-a em uma mera caricatura. Além disso, a relação de Zelda com a filha poderia ter sido mais bem explorada pelo roteiro. O irmão de Imogene, Ralph, também é outro personagem deplorável. Ele claramente sofre de alguma doença (autismo, talvez?), tanto que apresenta uma série de comportamentos bem curiosos, porém tudo é tratado de forma tão superficial pela roteirista que Ralph se torna um personagem irritante de tão estereotipado que é. Porém, o pior de todos os familiares de Imogene é o novo namorado de sua mãe, um homem com a alcunha de George Bousche. O nome do personagem é uma piada sem graça e datada em alguns anos e toda a história de ele ser um agente secreto da CIA é tão ruim que nem numa sitcom de quinta categoria seria engraçado. Surpreende também o quanto esses personagens são mal administrados pelos diretores, que conseguiram fazer um trabalho muito melhor em "Os Acompanhantes", um filme no qual não faltam tipos estranhos.

O elenco, felizmente, consegue ficar um dedo acima da desgraça que é o filme. Kristen Wiig faz o possível com Imogene, porém a personagem é uma mulher chata demais, o que dificulta a sua identificação com o público. Matt Dillon e Christopher Fitzgerald, como Bousche e Ralph, fazem de tudo para tornar seus personagens um pouco menos pobres e mal-acabados. Darren Criss, interpretando um jovem que aluga o quarto de Imogene e que se torna um interesse romântico da protagonista, está bem e mostra que, por incrível que pareça, somente o seu personagem em "Glee" (Blaine) é um chato de galocha e não ele em si. Por fim, Annette Bening se mostra a melhor coisa do filme. Apesar de ter que lidar com uma personagem ruim e que tinha muito mais potencial tanto cômico quanto dramático, Bening se sobressai e mostra que poderia ter feito uma performance ainda melhor caso a sua personagem fosse mais bem construída.

Em nenhum momento "Minha Vida Dava um Filme" parecia ser um dos melhores filmes do ano, porém chega a ser inacreditável o quão ruim ele é. A combinação de piadas batidas, com caracterização simplória e situações ridículas (vide o final vergonha-alheia-é-pouco), faz desse um dos piores filmes do ano com facilidade. Poderia ter sido uma sitcom interessante, mas como longa-metragem... é melhor deixar escondido numa prateleira no fundo da locadora.

NOTA: 1.5/5