Dir.: Baz Luhrmann; Escrito por Baz Luhrmann e Craig Pearce; Com Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire, Carey Mulligan, Joel Edgerton. 2013 - Warner (142 min. - 14 anos)
"O Grande Gatsby" é considerado, até hoje, um dos maiores clássicos da literatura norte-americana. Apesar de ter sido um fracasso à época de seu lançamento, em 1925, o livro do escritor F. Scott Fitzgerald foi redescoberto após a Segunda Guerra Mundial e, a partir daí, tornou-se extremamente conhecido e foi incluído no currículo escolar das escolas americanas. Não é para pouco. O livro, basicamente, previu a Crise de 1929, ao mostrar os excessos e as vidas extravagantes da elite norte-americana dos Loucos Anos 20; tudo isso em meio ao pós-Primeira Guerra e à (falha) Lei Seca. Venhamos e convenhamos, era impossível a bolha não estourar em algum momento.
Considerado por muitos um livro quase auto-biográfico, uma vez que Fitzgerald, assim como o real protagonista de sua obra, Nick Carraway, conviveu com essa elite chegada aos extremos da vida, "O Grande Gatsby" já foi adaptado a tudo que é mídia: teatro, balé, ópera, rádio, televisão e até video-game. Porém, a relação mais famosa (e também conturbada) do livro de Fitzgerald com outro meio de comunicação, sem dúvida, foi o cinema. A primeira adaptação foi lançada um ano após o lançamento do livro, em 1926, ainda na época do cinema mudo, porém esta versão está desaparecida atualmente. Em 1949, pouco tempo depois do livro se tornar popular, foi feita uma nova adaptação, dessa vez com clima de filme noir, chamada, curiosamente, no Brasil de "Até o Céu Tem Limites". Essa é considerada por muitos a melhor adaptação do clássico de Fitzgerald, apesar de, o filme de 1926, ser, supostamente, mais fiel ao livro. Em 1974, foi lançada a terceira e, até então, mais conhecida versão cinematográfica de "O Grande Gatsby", protagonizada por Robert Redford e Mia Farrow, dirigida por Jack Clayton e escrita por Francis Ford Coppola (substituindo o escritor Truman Capote, que havia escrito um primeiro roteiro que, supostamente, alterava diversos pontos da trama, a fim de tornar o longa mais controverso). Porém, mesmo com tantos nomes conhecidos envolvidos no projeto, o filme foi um fracasso de público e crítica, por ser considerada demasiado lento. Finalmente, em 2013, foi lançada a mais nova adaptação da obra de Fitzgerald para o cinema, estrelada por Leonardo DiCaprio, Carey Mulligan e Tobey Maguire.
Dirigida pelo australiano Baz Luhrmann, que já havia adaptado outro clássico literário de língua inglesa, "Romeu e Julieta", em 1996 (um filme que, por sinal, não me agradou muito), a nova versão de "O Grande Gatsby" para o cinema é um prato cheio para quem é fã do diretor e um verdadeiro inferno para quem o odeia. Cheio de cores, visual estridente, músicas pop e com ritmo acelerado, tudo depende da boa vontade do espectador para com o filme e seu realizador. Eu, que costumo gostar dos longas de Luhrmann, nem preciso dizer que eu adorei esse "Gatsby" versão 2013.
Obviamente, quando o diretor é Baz Luhrmann, a maior qualidade do filme é a sua embalagem, ou seja, a estética. O longa possui uma belíssima fotografia, assinada por Simon Duggan ("Eu, Robô", "Presságio") e conta com direção de arte e figurinos caprichados, cortesia da sra. Luhrmann, Catherine Martin. Por sinal, que parceria! Colaboradora do diretor desde seu primeiro filme, o divertido "Vem Dançar Comigo" (foi aí que os dois se conheceram), Martin é, muitas vezes, o porto seguro de Luhrmann. Até mesmo quando a história parece empacar ou quando o filme, simplesmente, não é bom (caso de "Romeu + Julieta"), a dedicada esposa consegue deixar o filme ainda mais interessante visualmente e, assim, manter a atenção do espectador até o fim da projeção. Entretanto, tenho que admitir que o 3D não faz muita diferença, exceto nos letreiros iniciais e finais e nas tomadas panorâmicas, e que eu gostaria muitíssimo de ver um filme de Luhrmann com mais externas e menos chroma-key. Tudo bem que no caso de "Gatsby", isso seria difícil, já que o filme, mesmo se passando em Nova York, foi filmado na Austrália, por causa de generosos incentivos fiscais. Porém, até mesmo em seu filme anterior, "Austrália", no qual poderia ter usado muito mais as belas paisagens do Outback australiano, o diretor muitas vezes optou pelos cenários de CGI. Enfim, fica a dica para um próximo filme.
Outro ponto forte do filme é o seu elenco. Leonardo DiCaprio está ótimo como o milionário Jay Gatsby, personagem que lhe deu a chance de mostrar todo o seu carisma de estrela de cinema. Tobey Maguire também agrada como Nick Carraway. Há quem diga que ele aqui está atuando assim como nos filmes do Homem-Aranha, porém esse é o estilo dele e, felizmente, este se encaixa perfeitamente com o seu personagem. Carey Mulligan, na minha opinião, fez uma boa Daisy. É, realmente, uma personagem difícil e que se mostrou um desafio para vários diretores na hora da escalação do elenco, porém acho que Luhrmann fez uma boa escolha com Mulligan. Aqui, a atriz consegue dar o tom certo de tolice e indiferença que a personagem exige. Joel Edgerton tem em "Gatsby" o seu primeiro papel de destaque em um grande blockbuster hollywoodiano, e ele aproveita muito bem a chance. Apesar de Tom Buchanan só ganhar mais espaço no último ato do filme, o ator se sai muito bem neste trecho e consegue ficar à altura do Gatsby de DiCaprio em momentos decisivos da trama, especialmente a discussão no quarto do Hotel Plaza. Entretanto, fica aqui a insatisfação com o subaproveitamento de duas atrizes: Isla Fisher e Elizabeth Debicki. A primeira vive Myrtle Wilson, amante espalhafatosa de Tom. Fisher poderia ter deitado e rolado com essa personagem que tem tudo a ver com a sua carreira de comediante, mas que, ao mesmo tempo, lhe daria chances de mostrar seu potencial dramático. Porém, Myrtle aparece tão pouco no filme que nem dá chances da atriz fazer muita coisa com ela. Já Debicki interpreta Jordan Baker, golfista que, no livro, insinua um caso romântico com Nick. A modelo e atriz mostra, no primeiro ato, potencial, entretanto, com o possível romance com Nick descartado do roteiro de Luhrmann e Craig Pearce, a personagem quase não aparece no segundo ato e, praticamente, entra muda e sai calada do terceiro. Eu sei, que o filme já é grande sem uma participação maior dessas personagens, porém as duas atrizes mereciam mais tempo de tela.
O roteiro do longa, por sinal, também consegue ser bem-sucedido. Apesar de ter algumas modificações aqui e ali na história original (sendo uma que pode causar surpresa, ao final do filme, para quem já leu o livro), no geral, o filme de Luhrmann é bastante fiel ao texto de Fitizgerald. Tanto que em alguns momentos até trechos deste aparecem flutuando pela tela, enquanto Nick Carraway escreve as suas memórias.
Entretanto, nem tudo é perfeito, a começar pelo ritmo do filme. No caso de "O Grande Gatsby", o problema não é que o filme canse ou pareça longo demais (algo que não acontece, apesar de ter quase duas horas e meia de duração), na verdade, a falha é do próprio Baz Luhrmann. É uma constante em todos os seus filmes o mesmo problema no andamento do filme: o primeiro ato é corrido, frenético, cheio de cortes rápidos e recheados de acontecimentos, enquanto que nos segundo e terceiro atos, o diretor consegue se acalmar e leva o filme no embalo certo. Isso, pelo que parece, já se tornou um cacoete infeliz na maneira Luhrmann de dirigir. Eu espero, sinceramente, que um dia ele consiga se livrar disso, pois, na maioria das vezes, é isso que impede os seus filmes de serem ótimos.
Uma outra coisa que me incomodou foi a insistência do diretor em deixar claro para você as metáforas da trama de Fitzgerald. Acho que não sou só eu que já estava cansado de ver tantas vezes a luz verde do farol de East Egg ou os olhos no outdoor do doutor T.J. Eckleberg. Além disso, para deixar claro para o espectador o significado dessas imagens, Luhrmann faz questão que as personagens falem de otimismo e esperança enquanto apontam para o farol da luz verde ou de, até mesmo, pôr um indivíduo para falar "Deus vê tudo" enquanto a câmera sobrevoa o outdoor. Em resumo, não era necessário martelar a mesmo coisa o tempo todo na cabeça do espectador para que ele entendesse tudo mastigadinho. O interessante seria que ele mesmo descobrisse o significado da luz verde e dos olhos do doutor oftalmologista.
"O Grande Gatsby" está bem longe de ser a porcaria que muitos críticos vem dizendo por aí, porém possui os mesmos problemas de todos os filmes do diretor Baz Luhrmann, que mostra, que apesar de entregar bons filmes, não tem evoluído como diretor. Apesar de ter gostado muito dessa nova versão de "Gatsby", ainda pretendo fazer o mesmo que Nick Carraway: sentar na praia e observar a luz verde para ver se um dia Luhrmann faz o épico perfeito que, aparentemente, ele almeja tanto fazer.
NOTA: 3.5/5