Dir.: David O. Russel; Escrito por David O. Russel; Com Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver, Chris Tucker. 2012 - Paris (122 min. - 12 anos)
Exite um tipo de filme que é chamado de "Oscar bait", isto é, isca para Oscar. São aqueles filmes que são feitos sob medida para atrair a atenção das grandes premiações cinematográficas como o Globo de Ouro, o SAG e, obviamente, o Oscar. Este ano, há dois claros "Oscar baits": "Lincoln" e "Os Miseráveis". O primeiro é um drama político sobre o presidente mais popular da história dos EUA dirigido por Steven Spielberg e estrelado por três ganhadores do Oscar; o segundo é um musical - gênero adorado pela Academia, mesmo que não tenha tido muita sorte nesta última década - , adaptação de um dos espetáculos mais conhecidos de todos os tempos, com um elenco de dar inveja e direção de um recente ganhador do Oscar por um típico "Oscar bait". Curiosamente, este ano os dois exemplos de iscas para o Oscar são, na minha opinião, exatamente os dois piores da lista dos nove indicados a melhor filme. Na realidade, o filme que mais me cativou foi uma comédia romântica, gênero pouquíssimo reconhecido e que vem sofrendo um desgaste nos últimos anos: "O Lado Bom da Vida". Dirigido por David O. Russel (indicado ao Oscar há dois anos atrás pelo excelente "O Vencedor"), o filme acompanha Pat, um professor de História diagnosticado com transtorno bipolar, no momento em que ele sai da clínica onde estava internado e volta a se relacionar com a sociedade, na esperança de reaver a mulher de sua vida. Como já é de esperar, nada vai acontecer tranquilamente, pois volta e meia ele vai sofrer sérias mudanças de humor, aparentando ser uma ameaça à sua vizinhança. Nessa confusão toda, aparece uma pessoa que entende exatamente como ele se sente: Tiffany, a cunhada de seu melhor amigo. Viúva, Tiffany manchou a sua reputação quando transou com todos do seu trabalho como forma de esquecer a dor de perder o marido. Deste encontro inusitado, surge uma amizade que pode, finalmente, trazer uma nova luz às vidas de ambos.
Não há dúvidas de que à primeira vista "O Lado Bom da Vida" pareça ser apenas mais uma comédia romântica no mar de filmes que inundam os multiplexes. Entretanto, logo nos primeiros minutos de projeção toda essa impressão cai por terra. Os personagens são nem um pouco típicos de comédias românticas, uma vez que não é todo dia que vemos filmes do gênero protagonizado por pessoas com algum tipo de distúrbio mental; e mesmo assim, quando isto ocorre, muitas vezes os filmes as tratam de forma estereotipada, quase caricatural. E daí que vem uma das maiores qualidades do roteiro de David O. Russel, se você for fazer um filme sobre duas pessoas consideradas perturbadas, por que não fazer um filme em que todos os personagens, inclusive aqueles ditos normais, tem um quê de loucura?
Como consequência disso, não só temos incríveis performances de Bradley Cooper e Jennifer Lawrence (agora oscarizada) como os dois protagonistas da história, mas também de todo o elenco, que está soberbo. Não é por nada que é a primeira vez em 31 anos que um filme é indicado a todas as quatro categorias de atuação no Oscar. Mas a maior surpresa, talvez, venha de Robert De Niro, que tem a sua melhor performance em muitos e muitos anos. Como o patriarca da família de Pat, De Niro usa todos os seus cacoetes a seu favor, a fim de brincar com as manias de seu personagem: um homem extremamente supersticioso, que tira o seu sustento fazendo apostas.
Em poucas palavras, "O Lado Bom da Vida" é uma forma extremamente divertida, sensível e bem-feita, mesmo que previsível ao final, de dizer que todos nós somos loucos de uma maneira ou de outra. E quer saber? Melhor assim.
Dir.: Steven Spielberg; Escrito por Tony Kushner; Com Daniel Day-Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones. 2012 - Fox (150 min. - 12 anos)
Tenho que admitir: sou o maior fã de "Fashion Police". No programa do canal E!, quatro apresentadores, liderados pela veterana comediante Joan Rivers, comentam sobre o look dos famosos nos tapetes vermelhos e no dia-a-dia. Sempre me divirto, seja com os visuais esdrúxulos das celebridades, seja com as ótimas sacadas de Rivers. Você deve estar se perguntando: "porque ele está falando sobre 'Fashion Police' se no título do post diz que esta é uma crítica de 'Lincoln', novo filme de Steven Spielberg?". Bom, estou aqui mostrando todo o meu amor por esse programa simplesmente porque Joan Rivers, em pouquíssimas palavras, definiu perfeitamente "Lincoln". Ao comentar o vestido de uma celebridade qualquer, Joan soltou essa: "esse vestido da 'fulana de tal' é igual ao filme "Lincoln". Não acho nenhum defeito, mas ainda assim fico entediada". Falou e disse, Joan!
Dirigido por Steven Spielberg, "Lincoln" narra os últimos meses do segundo mandato do 16º presidente dos EUA, enquanto este tenta por um fim à sanguinolenta Guerra Civil. Para isso, ele resolve fazer de tudo para aprovar a 13ª Emenda Constitucional, que decretaria o fim da escravidão em solo estadunidense, o que prejudicaria bastante o Sul escravocrata. A fim de atingir o seu objetivo, Lincoln chega a até deixar de lado a sua famosa honestidade, participando de um intrincado sistema de compra de votos.
O roteiro, escrito pelo dramaturgo Tony Kushner (ganhador do Prêmio Pulitzer pela peça "Angels in America: A Gay Fantasia on National Themes"), é daqueles calcados basicamente em diálogos. Por causa disso, o filme, que possui quase duas horas e meia de duração, se passa primariamente em locais fechados e escuros, o que causa às vezes a impressão de ser teatro filmado; e venhamos e convenhamos, teatro é teatro e cinema é cinema, por isso, por melhor que seja o texto, um filme que lembra mais uma peça geralmente é monótono. E este é o caso de "Lincoln".
O elenco apesar de estar bem, não está nada de especial. Muitos vão dizer que eu estou cometendo um sacrilégio, mas me desculpe, eu preciso desabafar: o Lincoln do Daniel Day-Lewis é uma performance correta do ator, nada mais. Na verdade, acho até que ele exagera em diversos momentos, realizando uma performance por vezes demasiada teatral. Quanto aos coadjuvantes de luxo, Sally Field e Tommy Lee Jones, digo o mesmo: bom, mas nada de mais! Sally é uma ótima atriz, mas aqui não surpreende, já Jones faz aquele mesmo tipo ranzinza de sempre. Se quiser ver uma variação muito mais interessante desse tipo, nem precisa ir muito longe, é só conferir "Um Divã para Dois". Ele faz o típico ranzinza, mas de uma forma muito mais inesperada.
Tecnicamente, o filme é, como já se espera, impecável. Da fotografia de Janusz Kaminski até os figurinos de Joanna Johnston, passando pela maquiagem e pela direção de arte: tudo é muito bem-feito, porém não traz nada de novo ou realmente interessante ao filme. Até mesmo John Williams sofre, já que a sua trilha sonora, apesar de competente, é um típico feijão-com-arroz de sua carreira. Apesar de ser bem conduzida, é previsível.
Enfim, não há como negar as qualidades de "Lincoln", porém também não há como passar alheio à sua total inércia. Falta variações ao filme; no geral, ele passa no mesmo tom o tempo inteiro, o que o faz tender para a monotonia. Talvez, a melhor opção não fosse o cinema, mas sim a televisão, na forma de minissérie, formato no qual a história poderia se desenvolver mais tranquilamente (evitando aquela confusão mental causada pela enorme quantidade de nomes e acontecimentos típica de filmes políticos) e de forma mais suportável (ao invés de um filme confuso e cansativo de duas horas e meia, teríamos quatro ou cinco capítulos de uma hora cada um). Spielberg e Kushner deviam ter ouvido Joan Rivers, pois era ela quem estava com a razão.
NOTA: 2.5/5
INDICAÇÕES:OSCAR - FILME, DIRETOR, ATOR, ATRIZ COADJUVANTE, ATOR COADJUVANTE, ROTEIRO ADAPTADO, FOTOGRAFIA, DESIGN DE PRODUÇÃO, EDIÇÃO, TRILHA SONORA, FIGURINO, MIXAGEM DE SOM; BAFTA - ROTEIRO ADAPTADO, FILME, FOTOGRAFIA, FIGURINO, CABELO E MAQUIAGEM, TRILHA SONORA, DESIGN DE PRODUÇÃO, ATOR COADJUVANTE, ATRIZ COADJUVANTE; GLOBO DE OURO - DIRETOR, FILME (DRAMA), TRILHA SONORA, ATOR COADJUVANTE, ATRIZ COADJUVANTE, ROTEIRO; SAG - ELENCO, ATRIZ COADJUVANTE.
VITÓRIAS:BAFTA - ATOR; GLOBO DE OURO - ATOR (DRAMA); SAG - ATOR, ATOR COADJUVANTE.
Dir.: Joe Wright; Escrito por Tom Stoppard; Com Keira Knightley, Jude Law, Aaron Taylor-Johnson. 2012 - Universal (129 min. - 14 anos)
Desde quando foi lançado, em 1877, "Anna Karenina" de Leo Tolstoy tornou-se uma das obras fundamentais da elogiadíssima literatura russa. Não é por nada que este livro foi adaptado em diversas áreas, dando origem a até uma ópera e um espetáculo de balé. Entretanto, assim como outras grandes obras clássicas, "Anna Karenina" obteve o seu maior êxito no cinema. Em menos de cem anos, a obra foi levada às grandes telas nada menos do que 12 vezes, incluindo versões russas, americanas, britânicas e acredite, há até uma versão egípcia! Além disso, a personagem principal já foi interpretada por grandes musas do cinema como Greta Garbo e Vivian Leigh nas adaptações de 1935 e 1948, respectivamente.
A última dessas interpretações da obra de Tolstoy é uma daquelas com todos os ingredientes para ser um grande filme. Em primeiro lugar, a pessoa escolhida para dirigir a produção foi Joe Wright, diretor cujos dois filmes mais aclamados, "Orgulho e Preconceito" e "Desejo e Reparação", foram baseados em livros famosos, e que possui muita experiência com dramas de época. Segundo, foi chamado um elenco de peso, incluindo astros britânicos como Keira Knightley (musa de Wright) e Jude Law, e figuras em ascensão como Aaron Taylor-Johnson. Terceiro, o roteirista do filme é Tom Stoppard, ganhador do Oscar por "Shakespeare Apaixonado". E por último, ficou decidido por se fazer uma adaptação bastante ambiciosa, visualmente falando. Infelizmente, a promessa foi muito maior do que o resultado.
O grande problema de "Anna Karenina" não é ser um filme ruim, algo que não é, mas sim só conseguir se sair bem em metade do que se propõe. Se por um lado, o filme é primoroso, por outro, ele deixa a desejar.
Falemos primeiro, então, do que funciona: o visual. Acredite em mim, "Anna Karenina" é com certeza o filme mais bonito, esteticamente falando, que você vai ver em muito tempo. Para não alongar mais o texto, não preciso nem falar o quão luxuosos são os figurinos de Jacqueline Durran (curiosamente indicada ao Oscar anteriormente exatamente por "Orgulho e Preconceito" e "Desejo e Reparação") e como este filme é brilhantemente fotografado, cortesia de Seamus McGarvey (indicado anteriormente também por "Desejo e Reparação"). Isso sem contar a excelente trilha sonora de Dario Marianelli que faz muito bem aos ouvidos.
Porém, da direção de arte eu sou obrigado a comentar. A ideia de filmar praticamente todo o filme dentro de um teatro era uma verdadeira faca de dois gumes: poderia funcionar perfeitamente, mas também poderia mostrar-se um grande equívoco. Felizmente, a concepção foi executada de forma exemplar e, dessa forma, podemos ter dentro de um mesmo local uma estação de trem, um salão de baile, as ruas de Moscou e um hipódromo; e o mais interessante é que se no início é estranho ver as pessoas andando de bicicleta por entre as pilastras que sustentam o balcão do teatro, em pouco tempo já estamos acostumados com aquela nova realidade. Entretanto, vale lembrar que isso só poderia ter dado certo caso o diretor do filme fosse muito bom; e nesse caso, Joe Wright mostrou ser o homem certo para o serviço.
Entretanto, como já comentei aqui, metade do filme não funciona tão bem assim; e, pasmem!, parte dessa metade é o elenco. Venhamos e convenhamos, esta era a oportunidade perfeita para termos um show de incríveis performances, mas não é isso que acontece. Ao invés disso, o elenco parece pouco inspirado, trabalhando no piloto automático. Exemplo disso é o casal principal Keira Knightley/Aaron Taylor-Johnson. Ambos já mostraram ser ótimos atores: Keira é uma das grandes atrizes de sua geração, já Aaron fez trabalhos ótimos em filmes como "Kick-Ass - Quebrando Tudo" e no recente "Selvagens"; porém em "Anna Karenina" eles parecem estar meio entediados. Nessa situação, quem se sai melhor é Jude Law, que parece ser o único integrante do trio de protagonistas que realmente se empenhou em seu papel. Em suma, fica a impressão de que o diretor Joe Wright acabou dando muito mais atenção à estética do filme do que aos atores.
Por último, mas não menos importante, o roteiro de Tom Stoppard também é falho, o que acabou prejudicando também o produto final. Entendo que condensar um romance de mais de 800 páginas em um filme de 129 minutos é uma tarefa árdua. Além disso, sei também que não tinha muita coisa para Stoppard inovar na narrativa (afinal, "Anna Karenina" é basicamente uma história sobre o adultério e suas consequências). Entretanto, é impossível não notar algumas barrigas no roteiro. Um exemplo ótimo disso é a história paralela que conta o romance entre Levin (amigo de Stiva, irmão de Anna) e Kitty (ex-noiva de Vronsky, amante de Anna). Este trecho poderia ser contado em muito menos cenas, o que evitaria as ocasionais perdas de ritmo do filme, principalmente no último ato.
Em resumo, "Anna Karenina" é um excelente filme sob um aspecto, mas é um longa chato sob outro; portanto, a mistura dessas duas partes resulta em um filme, na melhor das hipóteses, regular.
NOTA: 2.5/5
INDICAÇÕES:OSCAR - FOTOGRAFIA, FIGURINO, TRILHA SONORA, DESIGN DE PRODUÇÃO; BAFTA - FOTOGRAFIA, CABELO E MAQUIAGEM, TRILHA SONORA, FILME BRITÂNICO, DESIGN DE PRODUÇÃO; GLOBO DE OURO - TRILHA SONORA.
Dir.: Robert Zemeckis; Escrito por John Gatins; Com Denzel Washington, Kelly Reilly, Don Cheadle, John Goodman. 2012 - Paramount (138 min. - 14 anos)
Logo na primeira cena de "O Voo" já vemos um casal deitado numa cama de hotel. Ao ser acordada pelo despertador, a mulher se levanta e a vemos completamente nua, sim, como ela veio ao mundo. Em seguida, o homem também acorda. A mulher põe a sua calcinha fio-dental e logo se põe sobre o homem, enquanto acende um baseado. A mulher traga, o homem traga, eles conversam um pouco. A mulher levanta-se e vai se arrumar, enquanto isso, o homem se vira para a mesinha de cabeceira e forma algumas carreirinhas de cocaína. Ele pega uma nota de dólar, enrola-a e cheira com toda força o pó. O piloto e sua aeromoça estão prontos para levantar voo.
Primeiro filme live-action do diretor Robert Zemeckis desde "Náufrago" de 2000, "O Voo" está longe de ser um filme agradável de se ver. Afinal, o que não faltam são cenas de uso pesado de drogas e assuntos nada prazerosos como vício, morte e responsabilidade.
O filme narra a saga de Whip Whitaker, um piloto de avião que ganha fama do dia para a noite após ter conseguido salvar quase todos os passageiros a bordo de sua aeronave durante um terrível acidente. Porém, nem tudo é tão perfeito quanto parece, uma vez que são descobertos traços de álcool e drogas em seu sangue, retirado logo após o acidente para exames. Por causa disso, Whip pode passar de herói para vilão, já que devido ao seu vício e irresponsabilidade ele pode acabar pegando prisão perpétua.
Entretanto, o que num primeiro momento parece apenas mais um filme sobre redenção e afins se torna duas histórias bem mais interessantes, dependendo do seu ponto de vista. Sob uma ótica, o longa de Zemeckis é um estudo de personagem, no caso, o piloto alcoólatra e viciado em drogas. Vemos toda a sua luta contra o vício (apoiada por uma amiga/namorada sua, a viciada em heroína Nicole), mas também os momentos em que ele sucumbe aos seus desejos de beber e se drogar. Mas também acompanhamos a relação (quase nula) de Whip e sua família, a amizade entre ele e o traficante gente boa Harling Mays, os desmembramentos de seu caso e como isso afeta o seu psicológico. Em uma frase: os altos e baixos da vida do piloto.
Porém, na minha humilde opinião, a visão mais interessante do filme é uma mais espiritualizada. Com o decorrer da projeção, percebe-se o quanto a palavra Deus é dita mais e mais vezes pelos personagens. Ao ligar este fato com o enredo do longa, entende-se que o filme também trata da famosa questão: tudo ocorre por acaso ou na verdade é Deus quem planeja todos os nossos passos e apenas vai abrindo portas para que esses passos sejam realizados? Por exemplo: o acidente de Whip seria um mero acidente ou um sinal de Deus? Um sinal enviado a ele a fim de fazê-lo mudar de vida, largar as drogas e a bebida? Enfim, essas são questões debatidas pelo filme, mesmo que nas entrelinhas.
Falando do elenco agora, "O Voo" apresenta mais um ótimo trabalho de Denzel Washington. O ator, vencedor do Oscar por "Dia de Treinamento", mostra mais uma vez o seu imenso talento e corrobora a ideia de que o filme ganha e muito com a sua interpretação. Apesar do interessante roteiro de John Gatins, Denzel é que é mesmo a alma do filme, é ele quem faz nós, meros espectadores, torcermos por Whip, mesmo que ele seja um grande safado.
Mas junto de Washington há também ótimos atores como John Goodman, hilariante como o traficante Harling Mays, Don Cheadle como o advogado Hugh Lang, Bruce Greenwood como o grande amigo de Whip, Charlie Anderson, e a desconhecida Kelly Reilly, que está muito bem como Nicole.
Um ótimo retorno de Robert Zemeckis aos filmes com gente de carne e osso (e não com personagens bizarros de animações em "motion capture"), "O Voo" é um daqueles filmes que serve tanto como entretenimento descompromissado (se você aguentar uma história mais pesada) como também para uma análise mais profunda.
Dir.: Lee Daniels; Escrito por Lee Daniels e Peter Dexter; Com Zac Efron, Matthew McConaughey, Nicole Kidman, John Cusack. 2012 (107 min.)
"The Paperboy" começa com um close no rosto de Anita Chester, empregada de longa data da família Jansen, sentada em uma cadeira dentro da sala de uma delegacia. Ela está ali para fazer um depoimento acerca dos estranhos acontecimentos que ocorreram no verão de 1969 no interior da Flórida. Entre os envolvidos estão os dois filhos de seu patrão, W. W. Jansen, dono do jornal de uma pequena cidade do estado: Wade, jornalista do Miami Times, e Jack, o caçula da família. Aos dois juntam-se o assistente de Wade, Yardley Acheman, e uma periguete que escreve cartas para presidiários, Charlotte Bless.
Todos os quatro personagens tiveram seus destinos cruzados quando Wade resolve voltar à sua cidade natal, junto de Yardley, para investigar o misterioso julgamento de Hillary Van Wetter, que foi mandado para a cadeia por ter supostamente assassinado brutalmente um famoso xerife local. Para ajudar nas investigações, Wade entra em contato com Charlotte, que ao escrever cartas para Hillary acaba se apaixonando e ficando noiva dele. A eles, une-se Jack, irmão mais novo de Wade, que é contratado como motorista oficial do grupo.
Até aí tudo bem, porém tudo começa a ficar estranho quando Jack se apaixona perdidamente por Charlotte e novas revelações sobre Hillary Van Wetter põem a segurança dos quatro em xeque.
Não vou mentir e dizer que "The Paperboy" é um filme fácil de se ver, pelo contrário, é extremamente desagradável assisti-lo. O novo filme de Lee Daniels, diretor do premiado "Preciosa - Uma História de Esperança", exibe uma violência quase pornográfica (incluindo até a dissecação de um jacaré), conteúdo sexual bastante forte (mesmo que tenha poucas cenas de sexo) e assuntos polêmicos.
O roteiro, escrito por Daniels e Peter Dexter (autor do livro que deu origem ao filme), apesar de tentar cobrir temas demais como preconceito racial, homossexualismo e miséria, funciona muito bem como uma história de romance policial. Há vários momentos de grande tensão e todo o enredo entorno do enigmático e bizarro Hillary Van Wetter é bastante interessante.
Mas o que eu achei mais fascinante sobre o roteiro de "The Paperboy" é que no fundo, no fundo, debaixo de toda a superfície suja e violenta da trama investigativa, o filme conta uma emocionante história de amor. O romance entre Jack e Charlotte é envolvente exatamente porque ele tem dificuldades em se estabelecer. Apesar de gostar do rapaz, Charlotte o vê mais como um menino do que um homem. Ao invés disso, em sua visão, o macho alpha que pode lhe trazer prazer e uma vida melhor é o criminoso Van Wetter. Para ela, vale mais sexo oral imaginário em plena delegacia do que a ingenuidade amorosa de um jovem. Cria-se, então, um conflito muito bem construído sobre amor carnal versus amor espiritual, que mostra-se atraente até para aqueles que não suportam tramas amorosas.
Mas além do roteiro, o bom funcionamento de ambas as histórias depende de um ótimo elenco. E "The Paperboy" tem um baita elenco! Começando pelos menos conhecidos, temos David Oyelowo e Macy Gray, que vivem muito bem os dois personagens negros do filme, Yardley e Anita, respectivamente. Os dois se saem super bem em papeis secundários, deixando grandes marcas no espectador, principalmente Gray, cantora que vem se mostrando uma ótima atriz.
Em seguida temos os dois grandes astros do elenco, Matthew McConaughey e Nicole Kidman. Matthew, agora com 43 anos, tem largado as comédias românticas que lhe deram fama e vem investindo em filmes menores, mas com personagens mais desafiadores, e por enquanto, tem se saído muito bem, como é o caso de "The Paperboy". Já Nicole, que é uma das minhas estrelas favoritas, continua trilhando muito bem a sua carreira, alternando filmes comerciais com projetos mais autorais de diretores como Lars Von Trier e Stanley Kubrick; e na sua parceria com Lee Daniels, ela está incrível. Como Charlotte Bless, Nicole mostra toda a sua versatilidade como atriz, pois venhamos e convenhamos, quem esperaria ver uma das intérpretes mais famosas do mundo em cenas de sexo pra lá de estranhas ou mijando em Zac Efron?
Por falar em Efron, eu diria que este é o filme em que ele finalmente mostra o seu potencial como ator e, diga-se de passagem, se sai muito bem. Em "The Paperboy", Efron surpreende como protagonista. Além disso, é um alívio vê-lo parar de desperdiçar o seu talento em filmes água-com-açúcar.
Já sobre John Cusack quanto menos se falar melhor. Não porque a sua performance seja ruim, longe disso, mas sim porque é indescritível o asco que ele traz à tela quando seu personagem aparece. Em outras palavras, ele está excelente em seu papel.
Para finalizar, dizer que "The Paperboy" é um filme sutil seria uma grande mentira. Desde sua fotografia até aos seus momentos antológicos, tudo é exagerado de propósito. Mas neste caso quanto maior o escândalo e o choque, melhor a cena. Portanto, apesar de ser mais longo do que deveria e por vezes não conseguir abordar todos os seus temas da maneira adequada, "The Paperboy" é uma daquelas pequenas pérolas que vão passar despercebidas nessa competitiva temporada de prêmios.
NOTA: 3.5/5
INDICAÇÕES:GLOBO DE OURO - MELHOR ATRIZ COADJUVANTE (NICOLE KIDMAN); SAG AWARDS - MELHOR ATRIZ COADJUVANTE (NICOLE KIDMAN); PALMA DE OURO - FESTIVAL DE CANNES
Dir.: Tom Hooper; Escrito por William Nicholson, Claude-Michel Schönberg, Alain Boublil e Herbert Kretzmer; Com Hugh Jackman, Russel Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried. 2012 - Universal (158 min. -14 anos)
"Os Miseráveis" é uma das obras literárias mais conhecidas de todos os tempos. Desde que foi lançado, em 1862, o livro se tornou um verdadeiro ícone da literatura francesa (assim como o seu autor, Victor Hugo), ao mesmo tempo em que também foi eternizado em muitos outros formatos como o rádio, o teatro, a televisão e o cinema.
Destas adaptações, a mais bem-sucedida é, sem dúvida alguma, o musical criado por Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg. Apresentado pela primeira vez em 1980 em Paris, a produção só ganhou o prestígio e a fama que agora tem quando estreou no palcos do West End londrino, em 1985, e na Broadway nova-iorquina, dois anos mais tarde. A partir daí, o sucesso só aumentou. Para se ter uma ideia, o espetáculo está até hoje em cartaz em Londres, contabilizando mais de 10.000 apresentações. Já na Broadway, o musical teve até agora duas temporadas (a primeira de 1987 até 2003 e a segunda de 2006 até 2008) com uma terceira com estreia prevista para 2014. Além disso, é atualmente o espetáculo com o quarto maior número de apresentações na Broadway (6.680, isso contando apenas as apresentações da primeira temporada), atrás apenas de "O Fantasma da Ópera", "Cats" e "Chicago". Por essas e outras razões, era de se esperar que algum dia fosse feita uma adaptação do musical para as telas do cinema. E esse dia chegou!
A mais nova versão de "Os Miseráveis" para o cinema é a primeira a ser baseada no show de Boublil e Schönberg e, portanto, foi chamada uma equipe de peso para realizá-la. Desde o diretor, Tom Hooper (vencedor do Oscar em 2010 por "O Discurso do Rei"), até o elenco cheio de estrelas como Hugh Jackman, Anne Hathaway e Russel Crowe, além do envolvimento dos criadores do espetáculo e do produtor de sua versão britânica, Cameron Mackintosh, estava claro de que esta visava ser a adaptação definitiva da obra de Victor Hugo. A mais grandiosa, a mais famosa, a mais bem-sucedida, a mais premiada... E por um lado, até se consegue isto, mas por outro, sente-se que há algo muito errado com o filme.
Falemos então dos acertos do longa. É inegável que a produção é realmente bastante caprichada. Sente-se em todo momento de projeção que houve um cuidado imenso com os figurinos, criados por Paco Delgado, com a direção de arte e com o aspecto visual do filme, cortesia de Eve Stewart. Dá a impressão de trabalho bem-feito.
Entretanto, o filme também conta com bastante falhas. A primeira delas é a fotografia. Apesar do filme ser bem iluminado e ter uma estética atraente, o uso da câmera é absurdamente equivocado. Tudo começa com os inúmeros closes nos rostos dos atores que resulta exagerado e inconveniente, exemplo disso são algumas cenas em que parecem que as personagens estão conversando a dois metros de distância uma da outra, quando na verdade era para a cena parecer mais intimista e não intrusiva. Temos ainda os enquadramentos propositalmente tortos, que podem até ter funcionado no papel, mas que no filme ficam horríveis. Parece até que o tripé estava torto ou que o cameraman era corcunda. Para terminar, há também os momentos em que os atores são filmados em cantos, afastados da cena, como na hora em que o vilão Javert reconhece o ex-prisioneiro Jean Valjean. Essa parece ser outra ideia que funcionou na concepção, mas que deu errado na execução.
Porém os erros não param por aí, uma vez que o roteiro também me pareceu mal executado. Apesar de ter mais de duas horas e meia de duração, o filme ainda assim me pareceu apressado, como se tivesse que respeitar a qualquer custo um tempo de duração específico. Dessa forma, a saga de Jean Valjean ficou parecendo mais um amontoado de situações do que uma história bem-desenvolvida.
Falando nisso, o andamento precário do filme acabou prejudicando uma boa parcela dos atores, principalmente os dois maiores chamarizes do longa: Hugh Jackman e Anne Hathaway. No caso de Jackman, apesar de ele ter bastante espaço na primeira metade do filme, na segunda metade, ele some por um considerável período de tempo, dando mais tempo ao Javert de Russel Crowe. Tudo bem que o antagonista é um personagem tão importante quanto o herói, mas porque dar mais tempo à cantoria irregular de Crowe? No mínimo Jackman tem uma voz mais potente e marcante.
Já o caso de Hathaway é bem mais preocupante. Apesar de ser uma das melhores atrizes de sua geração e sua personagem, Fantine, ser uma das mais importantes da história do filme, aqui ela fica relegada a uns vinte minutos de projeção, sendo que neste tempo ela não tem muito o que fazer. Ela só chora, implora, faz cara de assustada, se desespera... Enfim, uma das personagens mais interessantes de "Os Miseráveis" é reduzida à meia dúzia de cenas repetitivas e bastante acima do tom. Sorte de Anne que ela tem a chance de cantar "I Dreamed a Dream" porque é realmente o único momento de maior profundidade de sua personagem. Falando nisso, parabéns para o diretor por optar em fazer desta cena uma só sequência, sem cortes, trazendo um dos poucos momentos em que o filme para e dá chance para uma performance se desenvolver naturalmente. Ainda assim, acho que Anne merecia o reconhecimento que ela vem recebendo agora por um outro papel, pois em "Os Miseráveis" ela é prejudicada pelas escolhas erradas de alheios.
Falando nas personagens e no elenco, ainda quero entender como o diretor achou que o casal Thénardier, formado por Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, se encaixava bem com o resto do filme. Apesar de terem uma certa importância na história e servirem de alívio cômico para toda o sofrimento abundante no longa, não entendi o porquê de eles terem que parecer duas personagens recém-saídas de um filme do Tim Burton. Bonham Carter, então, nem se fala! Tem momentos em que sua Madame Thénardier parece uma variante da Rainha Vermelha que ela interpretou em "Alice no País das Maravilhas".
No final das contas, quem se sai melhor nisso tudo são exatamente os dois nomes menos conhecidos do elenco: Eddie Redmayne e Samantha Barks. Intérpretes de Marius e Éponine, os dois estão excelentes e mostram-se muito melhores do que os protagonistas do filme. Deve-se a eles também o interesse que se cria envolta do triângulo amoroso entre os dois e Cosette (filha adotiva de Jean Valjean e biológica de Fantine), porque se fosse por Amanda Seyfried e sua Cosette sem-sal, essa trama ia por água abaixo.
Enfim, "Os Miseráveis" é um filme bem-feito e longe de ser um fracasso completo. Porém, na melhor das hipóteses, é um filme regular, que sofre principalmente de um roteiro fraco, um ritmo cansativo e algumas escolhas ruins do diretor Tom Hooper. No final das contas, continuo preferindo a versão de 1998 dirigida por Bille August, que apesar de não ser perfeita, é um filme mais curto, com personagens e história melhor desenvolvidos e sem diálogos cantados.
NOTA: 2.5/5
INDICAÇÕES:OSCAR - FILME, ATOR (HUGH JACKMAN), ATRIZ COADJUVANTE (ANNE HATHAWAY), FIGURINO, MAQUIAGEM E CABELO, MIXAGEM DE SOM, DESIGN DE PRODUÇÃO, CANÇÃO ORIGINAL ("SUDDENLY"); BAFTA - FILME, FILME BRITÂNICO, ATOR (HUGH JACKMAN), ATRIZ COADJUVANTE (ANNE HATHAWAY), FOTOGRAFIA, FIGURINO, MAQUIAGEM E CABELO, DESIGN DE PRODUÇÃO, SOM; GLOBO DE OURO - CANÇÃO ORIGINAL ("SUDDENLY"); SAG AWARDS - ELENCO, ATOR (HUGH JACKMAN), ELENCO DE DUBLÊS.
VITÓRIAS:GLOBO DE OURO - FILME (COMÉDIA/MUSICAL), ATOR (COMÉDIA/MUSICAL - HUGH JACKMAN), ATRIZ COADJUVANTE (ANNE HATHAWAY); SAG AWARDS - ATRIZ COADJUVANTE.