sábado, 2 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis (Les Misérables) - versão 2012


Dir.: Tom Hooper; Escrito por William Nicholson, Claude-Michel Schönberg, Alain Boublil e Herbert Kretzmer; Com Hugh Jackman, Russel Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried. 2012 - Universal (158 min. -14 anos)


"Os Miseráveis" é uma das obras literárias mais conhecidas de todos os tempos. Desde que foi lançado, em 1862, o livro se tornou um verdadeiro ícone da literatura francesa (assim como o seu autor, Victor Hugo), ao mesmo tempo em que também foi eternizado em muitos outros formatos como o rádio, o teatro, a televisão e o cinema.

Destas adaptações, a mais bem-sucedida é, sem dúvida alguma, o musical criado por Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg. Apresentado pela primeira vez em 1980 em Paris, a produção só ganhou o prestígio e a fama que agora tem quando estreou no palcos do West End londrino, em 1985, e na Broadway nova-iorquina, dois anos mais tarde. A partir daí, o sucesso só aumentou. Para se ter uma ideia, o espetáculo está até hoje em cartaz em Londres, contabilizando mais de 10.000 apresentações. Já na Broadway, o musical teve até agora duas temporadas (a primeira de 1987 até 2003 e a segunda de 2006 até 2008) com uma terceira com estreia prevista para 2014. Além disso, é atualmente o espetáculo com o quarto maior número de apresentações na Broadway (6.680, isso contando apenas as apresentações da primeira temporada), atrás apenas de "O Fantasma da Ópera", "Cats" e "Chicago". Por essas e outras razões, era de se esperar que algum dia fosse feita uma adaptação do musical para as telas do cinema. E esse dia chegou!

A mais nova versão de "Os Miseráveis" para o cinema é a primeira a ser baseada no show de Boublil e Schönberg e, portanto, foi chamada uma equipe de peso para realizá-la. Desde o diretor, Tom Hooper (vencedor do Oscar em 2010 por "O Discurso do Rei"), até o elenco cheio de estrelas como Hugh Jackman, Anne Hathaway e Russel Crowe, além do envolvimento dos criadores do espetáculo e do produtor de sua versão britânica, Cameron Mackintosh, estava claro de que esta visava ser a adaptação definitiva da obra de Victor Hugo. A mais grandiosa, a mais famosa, a mais bem-sucedida, a mais premiada... E por um lado, até se consegue isto, mas por outro, sente-se que há algo muito errado com o filme.

Falemos então dos acertos do longa. É inegável que a produção é realmente bastante caprichada. Sente-se em todo momento de projeção que houve um cuidado imenso com os figurinos, criados por Paco Delgado, com a direção de arte e com o aspecto visual do filme, cortesia de Eve Stewart. Dá a impressão de trabalho bem-feito.

Entretanto, o filme também conta com bastante falhas. A primeira delas é a fotografia. Apesar do filme ser bem iluminado e ter uma estética atraente, o uso da câmera é absurdamente equivocado. Tudo começa com os inúmeros closes nos rostos dos atores que resulta exagerado e inconveniente, exemplo disso são algumas cenas em que parecem que as personagens estão conversando a dois metros de distância uma da outra, quando na verdade era para a cena parecer mais intimista e não intrusiva. Temos ainda os enquadramentos propositalmente tortos, que podem até ter funcionado no papel, mas que no filme ficam horríveis. Parece até que o tripé estava torto ou que o cameraman era corcunda. Para terminar, há também os momentos em que os atores são filmados em cantos, afastados da cena, como na hora em que o vilão Javert reconhece o ex-prisioneiro Jean Valjean. Essa parece ser outra ideia que funcionou na concepção, mas que deu errado na execução.

Porém os erros não param por aí, uma vez que o roteiro também me pareceu mal executado. Apesar de ter mais de duas horas e meia de duração, o filme ainda assim me pareceu apressado, como se tivesse que respeitar a qualquer custo um tempo de duração específico. Dessa forma, a saga de Jean Valjean ficou parecendo mais um amontoado de situações do que uma história bem-desenvolvida.

Falando nisso, o andamento precário do filme acabou prejudicando uma boa parcela dos atores, principalmente os dois maiores chamarizes do longa: Hugh Jackman e Anne Hathaway. No caso de Jackman, apesar de ele ter bastante espaço na primeira metade do filme, na segunda metade, ele some por um considerável período de tempo, dando mais tempo ao Javert de Russel Crowe. Tudo bem que o antagonista é um personagem tão importante quanto o herói, mas porque dar mais tempo à cantoria irregular de Crowe? No mínimo Jackman tem uma voz mais potente e marcante. 

Já o caso de Hathaway é bem mais preocupante. Apesar de ser uma das melhores atrizes de sua geração e sua personagem, Fantine, ser uma das mais importantes da história do filme, aqui ela fica relegada a uns vinte minutos de projeção, sendo que neste tempo ela não tem muito o que fazer. Ela só chora, implora, faz cara de assustada, se desespera... Enfim, uma das personagens mais interessantes de "Os Miseráveis" é reduzida à meia dúzia de cenas repetitivas e bastante acima do tom. Sorte de Anne que ela tem a chance de cantar "I Dreamed a Dream" porque é realmente o único momento de maior profundidade de sua personagem. Falando nisso, parabéns para o diretor por optar em fazer desta cena uma só sequência, sem cortes, trazendo um dos poucos momentos em que o filme para e dá chance para uma performance se desenvolver naturalmente. Ainda assim, acho que Anne merecia o reconhecimento que ela vem recebendo agora por um outro papel, pois em "Os Miseráveis" ela é prejudicada pelas escolhas erradas de alheios.

Falando nas personagens e no elenco, ainda quero entender como o diretor achou que o casal Thénardier, formado por Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, se encaixava bem com o resto do filme. Apesar de terem uma certa importância na história e servirem de alívio cômico para toda o sofrimento abundante no longa, não entendi o porquê de eles terem que parecer duas personagens recém-saídas de um filme do Tim Burton. Bonham Carter, então, nem se fala! Tem momentos em que sua Madame Thénardier parece uma variante da Rainha Vermelha que ela interpretou em "Alice no País das Maravilhas".

No final das contas, quem se sai melhor nisso tudo são exatamente os dois nomes menos conhecidos do elenco: Eddie Redmayne e Samantha Barks. Intérpretes de Marius e Éponine, os dois estão excelentes e mostram-se muito melhores do que os protagonistas do filme. Deve-se a eles também o interesse que se cria envolta do triângulo amoroso entre os dois e Cosette (filha adotiva de Jean Valjean e biológica de Fantine), porque se fosse por Amanda Seyfried e sua Cosette sem-sal, essa trama ia por água abaixo.

Enfim, "Os Miseráveis" é um filme bem-feito e longe de ser um fracasso completo. Porém, na melhor das hipóteses, é um filme regular, que sofre principalmente de um roteiro fraco, um ritmo cansativo e algumas escolhas ruins do diretor Tom Hooper. No final das contas, continuo preferindo a versão de 1998 dirigida por Bille August, que apesar de não ser perfeita, é um filme mais curto, com personagens e história melhor desenvolvidos e sem diálogos cantados.


NOTA: 2.5/5


INDICAÇÕES: OSCAR - FILME, ATOR (HUGH JACKMAN), ATRIZ COADJUVANTE (ANNE HATHAWAY), FIGURINO, MAQUIAGEM E CABELO, MIXAGEM DE SOM, DESIGN DE PRODUÇÃO, CANÇÃO ORIGINAL ("SUDDENLY"); BAFTA - FILME, FILME BRITÂNICO, ATOR (HUGH JACKMAN), ATRIZ COADJUVANTE (ANNE HATHAWAY), FOTOGRAFIA, FIGURINO, MAQUIAGEM E CABELO, DESIGN DE PRODUÇÃO, SOM; GLOBO DE OURO - CANÇÃO ORIGINAL ("SUDDENLY"); SAG AWARDS - ELENCO, ATOR (HUGH JACKMAN), ELENCO DE DUBLÊS.

VITÓRIAS: GLOBO DE OURO - FILME (COMÉDIA/MUSICAL), ATOR (COMÉDIA/MUSICAL - HUGH JACKMAN), ATRIZ COADJUVANTE (ANNE HATHAWAY); SAG AWARDS - ATRIZ COADJUVANTE.


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