terça-feira, 30 de outubro de 2012

As Vantagens de ser Invisível (The Perks of being a Wallflower)


Dir.: Stephen Chbosky; Escrito por Stephen Chbosky; Com Logan Lerman, Emma Watson, Ezra Miller, Paul Rudd. 2012 - Paris (102 min. - 14 anos)


A adolescência já foi abordada diversas vezes no cinema, tendo o seu auge nos anos 1980 com os filmes de John Hughes como "Curtindo a Vida Adoidado" e "Clube dos Cinco". O gênero possui diversos clichês como as diversas práticas de bullying e a extrema segregação dos alunos entre vários grupos, entre eles, os atletas, as líderes de torcida, os geeks e os invisíveis. Estes últimos sendo geralmente os mais explorados nesses filmes, simplesmente porque costumam ser os indivíduos mais complexos psicologicamente falando.

Então, por agregar tantos clichês em apenas um único filme (além de ter a história mais batida de todas, aquela do aluno não-popular que conhece pessoas que mudarão a sua vida para sempre), "As Vantagens de ser Invisível" poderia ter virado apenas mais um filme norte-americano de colegial, porém o diretor e roteirista Stephen Chbosky conseguiu fugir da mesmice e criou um ótimo filme sobre a adolescência.

Indo na contra-mão de novos clássicos do gênero como os divertidíssimos "As Patricinhas de Beverly Hills" e "Meninas Malvadas", "As Vantagens de ser Invisível" procura manter o pé no chão o tempo todo. O primeiro passo para isso foi a escolha do elenco certo, e aqui não poderia ser mais preciso.

Para começar, todos os três protagonistas realmente aparentam a idade de seus personagens, algo extremamente difícil de se ver no cinema, além disso todos atuam muito bem. Logan Lerman, que não teve muita chance de mostrar do que era capaz em seus últimos filmes como "Percy Jackson e o Ladrão de Raios" e "Os Três Mosqueteiros", se sai incrivelmente bem como Charlie, o personagem principal da trama, demonstrando versatilidade e competência.

Os outros dois, Emma Watson e Ezra Miller, já são conhecidos por seus ótimos desempenhos. Emma por seu trabalho na saga "Harry Potter", na qual se mostrava superior aos seu colegas Daniel Radcliffe e Rupert Grint, e Ezra em "Precisamos Falar Sobre o Kevin". Aqui, os dois não desapontam e arrasam como os meio-irmãos Sam e Patrick, principalmente Ezra, que consegue transformar Patrick, um personagem com séria tendência à caricatura, na melhor figura do filme.

O fato de "As Vantagens de ser Invisível" ter sido adaptado para as telas e dirigido pelo próprio autor do livro também ajuda e muito o filme. Dessa forma, o longa saiu bem pessoal e nada artificial, algo que poderia ter acontecido caso Chbosky não estivesse tão envolvido na produção.

Enfim, não há muito mais o que dizer. "As Vantagens de ser Invisível" é um filme que realmente entende a adolescência e não mais um daqueles longas escritos por adultos que se acham "maneiros" o suficiente para escrever para jovens.


NOTA: 4/5


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Looper - Assassinos do Futuro (Looper)


Dir.: Rian Johnson; Escrito por Rian Johnson; Com Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis, Emily Blunt, Piper Perabo. 2012 - Paris (119 min. - 16 anos)


Acho que nunca vi dois atores tão diferentes interpretando o mesmo personagem como eu vi em "Looper - Assassinos do Futuro". Joseph Gordon-Levitt, apesar de estar construindo uma sólida carreira como astro de ação em filmes como "A Origem", "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge" e o ainda inédito no Brasil, "Perigo por Encomenda", não tem nem de longe o mesmo porte físico nem currículo de Bruce Willis.

Fisicamente, é inegável que Bruce Willis é muito mais bombado que Levitt. Já no que diz respeito à carreira, ambos os atores começaram fazendo sucesso em séries de TV: Willis protagonizava "A Gata e o Rato" nos anos 1980, enquanto Levitt fazia parte do elenco da sitcom "3rd Rock from the Sun" nos anos 1990. Entretanto, depois disso suas carreiras seguiram caminhos completamente opostos. Willis protagonizou, principalmente, filmes de ação, em especial aqueles da franquia "Duro de Matar", já Levitt fez fama em filmes independentes como "A Ponta de um Crime" (do mesmo diretor deste "Looper") e "(500) Dias com Ela".

Mas como o cinema é pura mágica, com um bom trabalho de maquiagem, Joseph Gordon-Levitt conseguiu ficar semelhante a Bruce Willis. Iguais não ficaram, mas os traços são parecidos. E como se isso já não fosse o bastante, ainda conseguiram fazer essa improvável reunião que é "Looper - Assassinos do Futuro" um dos melhores filmes do ano!

A premissa é complicada, então toda atenção é pouca. Passado em 2044, o filme conta a história de Joe, um homem de vinte e alguns anos que tem como profissão um ofício bem atípico: o de ser um looper. Os loopers são assassinos que matam, em 2044, inimigos da máfia de 30 anos na frente (2074, portanto), liderada por um indivíduo chamado Rainmaker.

Mas como isso é possível? Da seguinte forma: em 2074, todos os cantos do planeta são monitorados e a viagem no tempo existe (algo que não acontece em 2044). Então, a máfia de Rainmaker manda os seus inimigos para o passado para que lá eles sejam assassinados e, portanto, não tenham o seu corpo rastreado.

Mas essa é apenas a base do filme, pois a história em si começa quando Joe descobre que tem que fazer o seu loop, isto é, matar a versão 30 anos mais velha dele mesmo. Porém, ele deixa o seu loop escapar e agora tem que fazer de tudo para recuperá-lo para que não seja morto pelos seus chefes.

Realmente, a história é complicada, entretanto, o filme vale muito a pena. O primeiro motivo para você ir ver "Looper" é a ótima performance de Joseph Gordon-Levitt. Cada vez mais, ele se mostra não só um ótimo ator, mas também um intérprete bastante versátil, que consegue passear por vários gêneros (ação, comédia, drama) com a maior facilidade. Além disso, a sua personificação de Bruce Willis já vale pelo filme todo. Por sinal, a sua química com o verdadeiro Bruce Willis é ótima, mesmo que eles queiram se matar durante todo o tempo em que estão juntos.

Ainda falando no elenco, os outros dois atores principais, Bruce Willis e Emily Blunt, também se saem muito bem em sua missão. Ambos aparecem bem depois do filme já ter começado, mas deixam as suas marcas. Há também uma participação especial de Paul Dano no início do filme, fazendo aquele seu tipo neurótico de sempre, que ele faz tão bem.

Mas grande parte do sucesso do longa deve ao seu idealizador, o diretor e roteirista Rian Johnson. O roteiro de "Looper" tem, sim, alguns problemas (um final um pouco repetitivo; o fato do chefe de Joe ser do futuro, mas nunca mencionarem a sua versão do passado), porém ganha muitos e muitos pontos pela sua originalidade e eficiência, além de fazer aquele típica crítica social presente nos melhores filmes de ficção-científica. No caso de "Looper", a ética, os valores morais etc.: tudo isto é posto em evidência.

Mas além de ser um roteirista de respeito, Johnson é um ótimo diretor. Não só tira o melhor de seu elenco como também cria diversos efeitos estéticos interessantes. Tudo isso amparado por ótimos trabalho de fotografia de Steve Yedlin e trilha-sonora de Nathan Johnson.

Original, bem-feito e ambicioso, "Looper - Assassinos do Futuro" não é um filme perfeito, mas chega muito, mas muito perto disso. Já pode botar na lista dos dez melhores de 2012.


NOTA: 4.5/5


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild)


Dir.: Behn Zeitlin; Escrito por: Lucy Alibar e Behn Zeitlin; Com Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Levy Easterly, Gina Montana. 2012 (93 min. - 10 anos)


Quando fiquei sabendo pela primeira vez de "Indomável Sonhadora" e até depois que assisti ao seu trailer, só pude pensar em uma coisa: lá vem mais um "A Árvore da Vida", um filme que, apesar de muitos amarem, eu achei, ironicamente, morto. Porém, fico feliz em dizer que o meu pré-conceito era totalmente infundado, uma vez que "Indomável Sonhadora" é um filme acessível, nada pretensioso e, o melhor de tudo, vivíssimo.

O longa, vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Sundance e da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes, conta a história de uma simpática menina chamada Hushpuppy. Moradora de uma região miserável e isolada de toda movimentação urbana dos Estados Unidos, Hushpuppy vive em um barraco feito de uma infinidade de materiais junto com seu pai, viúvo e doente.

No vilarejo onde vive, os mitos ainda têm uma força gigantesca, e o principal deles espalha o medo entre os seus moradores: a história de uma enorme tempestade que inundará o mundo e que descongelará perigosíssimos seres pré-históricos. Entretanto, ninguém esperava que o mito se concretizasse em tão pouco tempo, pois após uma forte chuva, os habitantes que permaneceram no vilarejo viram as suas casas cobertas de água e uma preocupante escassez de comida. Além disso, a ação governamental de tirar os moradores daquela região devido à sua periculosidade traz novas aflições a essas pessoas humildes.

Não há como negar, que a premissa do filme parece a de um verdadeiro dramalhão mexicano (algo que o "ótimo" título em português apenas corrobora), entretanto o longa possui diversas situações cômicas e fantásticas que aliviam um pouco a tensão das cenas mais dramáticas. Por sinal, "Indomável Sonhadora" é um filme cujo roteiro merece ser lembrado na próxima temporada de premiações.

Se o roteiro em si já é muito bom, o elenco, então, só melhora as coisas. A protagonista, a incrivelmente talentosa e simpática Quvenzhané Wallis, é o grande triunfo da produção. Apesar de ter apenas cinco anos de idade quando interpretou Hushpuppy, Wallis mostra ser uma grande aposta, que consegue se sair bem tanto em cenas cômicas como em outras mais emocionantes. O seu pai da ficção, Dwight Henry, também não deixa a peteca cair e tem ótimas cenas com Wallis. A química entre os dois é inegável. Isso sem contar com o elenco secundário, com destaque para Gina Montana, intérprete da srta. Bathsheba.

Outra grande qualidade do longa é o trabalho do diretor Behn Zeitlin e sua equipe. Apesar de ter um orçamento de apenas 1,8 milhões de dólares (uma quantia ínfima para o cinema norte-americano), Zeitlin consegue filmar cenas belíssimas em locais extremamente complicados, como as áreas alagadas predominantes no filme. Por sinal, excelente trabalho de fotografia de Ben Richardson.

No final das contas, "Indomável Sonhadora" me impressionou pela criatividade, mas ao mesmo tempo, simplicidade de sua história, pelo ótimo elenco de ilustres desconhecidos, pelo ótimo trabalho feito com tão pouco dinheiro. Enfim, é um filme de escala pequena, mas de grande alma.


NOTA: 4/5



Nota de Rodapé (Hearat Shulayim)


Dir.: Joseph Cedar; Escrito por Joseph Cedar; Com Shlomo Bar Aba, Lior Ashkenazi, Aliza Rosen, Alma Zack. 2011 (103 min.)


Pai e filho seguem a mesma profissão: ambos são grandes especialistas e professores de Estudos Talmúdicos (o Talmude é o Livro Sagrado dos judeus). Por outro lado, apesar de serem parentes próximos, ambos são rivais profissionalmente falando, ainda mais quando o filho está no auge da carreira e o pai é apenas um estudioso esquecido.

Entretanto, tudo que é ruim pode piorar. Um dia, Eliezer Shkolnic, o pai, recebe um telefonema do Ministério da Cultura israelense parabenizando-o por ter sido o escolhido para receber o Prêmio Israel, uma espécie de Nobel do país. Evidentemente, Eliezer fica bastante contente e vê, finalmente, o seu nome ser reconhecido novamente. Porém, o prêmio deveria ser entregue ao outro Shkolnic, Uriel, o filho. Agora, o engano dos realizadores do evento será o responsável pela prova definitiva da relação pai-e-filho. E, então, Uriel vai ou não contar ao seu pai que ele na verdade não ganhou prêmio?

Esse é o ponto de partida do filme israelense "Nota de Rodapé". Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no início deste ano (quando perdeu para o ótimo "A Separação"), o longa escrito e dirigido por Joseph Cedar, nova-iorquino que vive em Jerusalém desde os cinco anos de idade, tem, sem dúvida alguma, uma das premissas mais interessantes desse ano. Porém, é uma pena que o filme nunca chegue ao nível que poderia.

Apesar de contar com ótimas interpretações de todo o elenco, principalmente da dupla de protagonistas, Shlomo Bar Aba e Lior Ashkenazi, "Nota de Rodapé" é vendido em seu trailer como uma comédia inteligente. Entretanto, vemos que o filme tem uma relação bastante estreita com o drama. Sem problema, afinal algumas das melhores cenas do filme são aquelas de maior carga dramática. A questão é que o filme, no geral, não possui cenas hilárias (como promete o trailer, com o qual dei algumas risadas) e nem cenas que tocam fundo no coração do espectador, ou seja, apesar de ser uma comédia dramática, o longa não consegue obter resultados satisfatórios em nenhuma das duas áreas. Há, sim, momentos muito interessantes, mas geralmente, "Nota de Rodapé" é um filme chocho.

Mesmo assim, vale a pena frisar a competência do diretor Cedar, que não só dirige muito bem os seus atores como também mostra ser um indivíduo criativo, usando uma mistura de slides e filmes para contar o passado dos personagens.

No final das contas, "Nota de Rodapé" é um filme inofensivo, salvo da monotonia pelo seu elenco muito bem montado e de extrema competência e pelas boas ideias do diretor.

NOTA: 3/5


domingo, 14 de outubro de 2012

A Guerra Invisível (The Invisible War)


Dir.: Kirby Dick; Com Helen Benedict, Kori Cioca, Hannah Sewell. 2012 (93 min.)


Na maioria das vezes, quando as Forças Armadas norte-americanas são representadas no cinema, elas são vistas como a maior qualidade da nação. São elas que protegem o país, quem sabe até o mundo, da ameaça de grandes vilões como os alemães na Segunda Guerra Mundial, os soviéticos na Guerra Fria e, atualmente, os terroristas árabes.

Nessa glorificação dos representantes da pátria há, sim, um quê de verdade. Exemplo disso foi o assassinato de Osama Bin Laden há pouco mais de um ano atrás. Porém, todos nós sabemos, inclusive aqueles que glorificam as Forças Armadas em suas obras, que nada é perfeito, e a Defesa norte-americana não é exceção. Por isso, é notável a realização de um documentário como "A Guerra Invisível".

O filme de Kirby Dick relata, através de entrevistas com ex-integrantes das Forças Armadas, jornalistas, estudiosos, advogados e representantes do Exército, da Marinha, da Aeronáutica etc., a ocorrência de estupros dentro dos quartéis e bases da Defesa norte-americana. Não que isso seja segredo para ninguém, mas a grande discussão levantada pelo filme é de que esses abusos sexuais ocorrem com muito mais frequência do que se imagina, e isso, obviamente, é escondido pelas instituições.

Portanto, não é de se espantar que o filme chame bastante atenção para a vida pessoal das vítimas dessas atrocidades e como isso afetou suas vidas. Dentre elas, está a "protagonista" do documentário, Kori Cioca, veterana da Guarda Costeira, que saiu da instituição após ter sido estuprada violentamente, levando até um tapa no rosto que danificou os dois discos de sua mandíbula. O documentário mostra as dificuldades que Kori tem em conseguir com que as Forças Armadas paguem a sua cirurgia, como também a relação com sua filha pequena e seu marido, que também fazia parte da Guarda Costeira, e que pediu dispensa após saber do que ocorreu com sua esposa.

Além do caso de Cioca, o longa aborda o sofrimento de várias outras mulheres, de diversas áreas das Forças Armadas, e até o abuso sofrido por um homem, que apesar de não ser tão comum, também é bastante expressivo.

O documentário, feito a partir de um notável trabalho de pesquisa, também reforça a sua opinião contra a vista grossa feita pelo Departamento de Defesa norte-americano perante as denúncias de estupro nas Forças Armadas, através de um impressionante arquivo de imagens. Entre elas, destacam-se as peças publicitárias, feitas pelo próprio governo, que culpam a vítima e não o agressor, as sessões do Senado e da Câmara de Deputados que tinham como assunto principal o abuso sexual nas Forças Armadas e reportagens sobre notórios casos sexuais dentro da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Atual e urgente, "A Guerra Invisível" é um documentário indispensável para qualquer pessoa de qualquer nacionalidade, pois apesar de focar no Exército norte-americano, o problema do estupro é universal, e saber que alguns dos heróis do país praticam ou sofrem esta crueldade é algo deplorável. Isso mostra que mesmo sendo civilizado socialmente, o ser humano ainda tem muito o que fazer dentro de sua própria mente.

NOTA: 4/5


Nós e Eu (The We and the I)


Dir.: Michel Gondry; Escrito por: Michel Gondry, Jeffrey Grimshaw e Paul Proch; Com Michael Brodie, Teresa Lynn, Raymond Delgado. 2012 (103 min.)


O ser humano é estranho. Estranho física e psicologicamente. Como conseguimos andar sobre os dois pés sem precisar de nenhum apoio? Lembrando que os macacos, mesmo sendo próximos de nós, não conseguem ficar sobre as duas patas inferiores por muito tempo. E a nossa mente? O ser humano vive indeciso, se esconde por trás das aparências, precisa de ajuda para saber o que fazer e pensar.

E de todas as fases da vida de um ser humano, a mais estranha é, sem dúvida, a adolescência. Entre a infância e a vida adulta, o adolescente é o ser humano mais confuso. Sua cabeça muda de opinião a cada segundo. Em um momento gosta de um tipo de música ou filme e daqui a pouco já é uma pessoa completamente diferente. Além disso, o corpo também muda constantemente graças à famosa puberdade, e assim mais confusão se apodera da mente do jovem.

Por isso é, no mínimo, interessante saber que um diretor como o francês Michel Gondry, acostumado a contar, em seus filmes, as histórias de pessoas bastante estranhas, resolveu realizar um filme sobre adolescentes. O resultado disso foi "Nós e Eu", um longa bastante estranho, mas ao mesmo tempo, acessível e muito simpático.

Passado em uma única tarde (o último dia de aula) e praticamente em um único cenário (um ônibus urbano), "Nós e Eu" documenta as conversas, os conflitos e os estilos divergentes de um grupo de adolescentes da região do Bronx, na cidade de Nova York. Há jovens de todos os estilos (valentões, nerds, músicos), etnias (brancos, latinos, negros, asiáticos), físicos (magros e gordos), orientações sexuais (héteros, homos e bissexuais) e personalidades (brincalhões, tristes, desinibidos). Consequentemente, as histórias são das mais variadas, envolvendo uma polêmica festa, um sutiã de água, desenhos e poemas, bullying, violência etc. 

Dividido em três partes, "Nós e Eu" conta com o estilo característico de Gondry: hiperativo e cheio de criatividade. O longa, principalmente nos dois primeiros atos, conta com uma edição incontrolável, que pula de uma conversa para a outra como se fosse uma mosquinha perambulando pelo ônibus: tudo isso complementado pelos ótimos flashbacks confeccionados por Gondry, misturando filmagem caseira com stop motion e outros truques do inventivo diretor.

Porém, assim como em seu filme mais conhecido, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", Gondry usa a última parte do filme para dar algum descanso ao espectador. No caso de "Nós e Eu", a edição frenética dá lugar a conversas mais longas entre poucos personagens, uma vez que aos poucos o ônibus fica cada vez mais vazio.

O elenco também é um diferencial desse filme em relação a outros que abordam a adolescência. Todos os atores são iniciantes, o que deixa o elenco um pouco irregular, porém dá para sentir a emoção sair da performance de todos eles, seja em momentos de comédia ou de drama.

Engraçado e emocionante na mesma medida, é bom ver Michel Gondry voltar à forma depois do morno "Besouro Verde" com um filme extremamente agradável, mas também socialmente engajado. Bem escrito, bem dirigido, criativo e com uma ótima trilha sonora, embalada pela ótima "Bust a Move" do Run DMC, "Nós e Eu" é um filme que merece ser visto.

NOTA: 4/5


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Holy Motors


Dir.: Leos Carax; Escrito por Leos Carax; Com Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes, Kylie Minogue. 2012 - Imovision (115 min. - 14 anos)


Em todo festival de cinema, sempre tem o longa favorito ao prêmio principal, uma avalanche de estrelas percorrendo extensos tapetes vermelhos e claro, um filme polêmico. Esse filme é aquele que divide opiniões - uns amam, outros odeiam, e tem aqueles que não sabem o que falar -, é diferente de todos os outros filmes em exibição, tem uma narrativa e estética atípicas, e por aí vai.

Como não poderia deixar de ser, no último Festival de Cannes teve um filme que chamou a atenção por todos esses motivos: pelo quão ruim ou bom ele era, pela sua estética e narrativa singulares, por ser a ovelha negra dos filmes em exibição. O projeto em questão era "Holy Motors" do diretor francês Leos Carax.

Sem dirigir nenhum filme desde 1999, exceto quando realizou um segmento na antologia "Tokyo" em 2008, Carax voltou à ativa com um filme extremamente estranho. Dividido em vários segmentos protagonizados pelo mesmo personagem, "Holy Motors" narra um dia na vida de Sr. Oscar, um homem de meia idade que usa uma limusine, dirigida pela choffeur Céline, de camarim para poder se arrumar para os seus encontros.

Mas que encontros são esses? Infelizmente, não posso dizer porque "Holy Motors" é daqueles  filmes que se você detalha demais, acaba estragando a surpresa. O máximo que posso contar é que eles são dos mais variados tipos, abrangendo drama, comédia, musical, fantasia: tudo isso num único filme de menos de duas horas de duração.

Já que não posso contar a história, vamos, então, às minhas observações. O filme, sem dúvida, poderia ser mais curto, achei 115 minutos um pouco além do ideal. Por causa disso, o longa resulta meio cansativo. Mesmo assim, o filme vale ser visto por alguns motivos.

O primeiro deles é a incrível interpretação de Denis Lavant como sr. Oscar. Já que o seu personagem incorpora diversas figuras ao longo do filme, Lavant tem que inventar para cada uma um jeito próprio de andar, falar e gesticular. Além disso, tem que fazer o máximo para não ser engolido pelas diversas trocas de figurino e maquiagem (essa última, por sinal, notável), e felizmente, Lavant consegue se sair muito bem em todos os tipos que interpreta.

Os outros integrantes do elenco também se saem bem. Destaque para Edith Scob, que vive a choffeur da limusine do sr. Oscar, Céline, que possui uma ótima química com Lavant, e Kylie Minogue, que mostra que poderia muito bem seguir a carreira de atriz quando não tiver mais fôlego para fazer turnês mundiais como uma estrela pop. Claro que ela não abandona a música e interpreta a canção-tema do filme, a belíssima "Who Were We".

A estética do filme também é de tirar o fôlego. A mais inventiva sequência, visualmente falando, do filme é uma em que o sr. Oscar participa de uma sessão de captura de movimentos. Nós nem conseguimos ver o rosto do personagem, apenas os seus movimentos graças ao pontos luminosos presos ao collant usado por Denis Lavant. É uma das cenas mais bonitas que vi este ano.

E o terceiro motivo para você ir ver "Holy Motors" é a sua extravagância. Sem dúvida, não há nenhum filme como este, pelo menos neste ano de 2012, e é sempre legal fugir um pouco da zona de conforto dos blockbusters para assistir a filmes que você nunca imaginaria assistir. Você pode achar uma porcaria, mas pelo menos pode dizer que viu.

Enfim, "Holy Motors" peca no ritmo, mas compensa nas atuações e no visual. Não achei ótimo, mas também não achei ruim. É bom. Do que o filme se trata? Não sei exatamente. Mulheres, falta de emoção no mundo moderno, o feio e o belo, a vida e a morte? De tudo isso ou de nenhum desses assuntos? É, realmente, "Holy Motors" é um filme com muitas perguntas e poucas respostas, e acho que é por isso que apesar de não achá-lo nenhuma maravilha, eu não me arrependo nem um pouco de ter gastado dinheiro e tempo assistindo-o.


NOTA: 3/5


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Hotel Transilvânia (Hotel Transylvania)


Dir.: Genndy Tartakovsky; Escrito por Peter Baynham e Robert Smigel; Com Adam Sandler, Andy Samberg, Selena Gomez, Kevin James. 2012 - Sony (91 min.)


"Hotel Transilvânia" tem, sem dúvida alguma, uma das premissas mais criativas deste ano de 2012. O longa parte do princípio de que existe um hotel, gerenciado pelo famosíssimo Conde Drácula, aonde os monstros vão para tirar férias sem sofrer a ameaça dos humanos. Entretanto, o verdadeiro motivo para o rei dos vampiros ter construído um enorme castelo para abrigar diversos monstros foi proteger a sua amada filha, Mavis, dos perigos do mundo externo.

Porém, tudo complica quando nas comemorações dos 118 anos de idade de Mavis, surge no hotel um jovem mochileiro que pode por em risco o maior segredo já guardado. Portanto, Conde Drácula se vê na difícil missão de esconder de todos os seus hóspedes, inclusive a sua filha, de que há um humano no hotel, supostamente, livre de humanos.

Felizmente, "Hotel Transilvânia" faz jus ao seu criativo argumento e consegue divertir tanto jovens e adultos.

Apesar de o roteiro seguir um caminho seguro e investir na mais velha estrutura narrativa que existe (normalidade-complicação-desenvolvimento-desentendimento-reconciliação-volta à normalidade), além de depender bastante das piadas físicas, o filme entretém, pois conta com personagens extremamente carismáticos. O Conde Drácula super protetor, a filha curiosa, o estranho sem noção, o Frankenstein pouco inteligente, a múmia bonachona, entre outras figuras muito interessantes, fazem o espectador esquecer da familiaridade da história e embarcar nessa aventura hiperativa (e bota hiperativa nisso!).

Outro ponto crucial para o sucesso do filme é a direção do russo Genndy Tartakovsky. Animador de longa data e criador de clássicos do Cartoon Network como "O Laboratório de Dexter" e "Samurai Jack", além da aclamada minissérie de curtas "Star Wars: Clone Wars", Tartakovsky sabe como ninguém manipular a imagem de seus desenhos. Em todos os seus programas, os traços dos personagens são extremamente bem definidos e os cenários são de notável beleza, principalmente em "Samurai Jack".

Em "Hotel Transilvânia", sua estreia como diretor de longa-metragens, ele não faz diferente. Todos os personagens são facilmente identificáveis e de feições e formas marcantes (por sinal, o Conde Drácula lembra vagamente o Jack) e o hotel conta com criativos cenários. Por sinal, uma das minhas cenas favoritas do filme, uma em que o Drácula e Jonathan (o humano intruso no hotel) andam por diversos corredores no subterrâneo do castelo, lembra perfeitamente as séries de Tartakovsky, principalmente a maneira do Conde andar.

O filme também, como não poderia deixar de ser, faz ótimas piadas em relação aos diversos monstros que se hospedam no hotel. Exemplos delas não faltam como o fato do Frankenstein viver se desmontando, a impossibilidade de alguém ver o Homem Invisível (o que, às vezes, cria situações constrangedoras para os personagens) e os avisos de "não perturbe" das portas serem cabeças de vudu. Isso sem contar, a aparição dos zumbis de Mozart, Bach e Beethoven e a hilária sátira à saga Crepúsculo.

Então, apesar de não ser um clássico do cinema de animação, podendo ser facilmente esquecido daqui a alguns anos, "Hotel Transilvânia" cumpre com muita competência a sua função de ser uma mera diversão descompromissada para toda a família.

P.S.: 1) Fique no início dos créditos para ver uma criativa sequência feita em animação tradicional; 2) apesar do incrível visual de Tartakovsky, o 3D é totalmente descartável. Portanto, se puder evitá-lo, melhor.

NOTA: 4/5


domingo, 7 de outubro de 2012

8 1/2 (8 1/2)


Dir.: Federico Fellini; Escrito por Ennio Flaiano, Tullio Pinelli, Federico Fellini e Brunello Rondi; Com Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Anouk Aimee. 1963 - Continental (138 min.)


O cineasta Federico Fellini, um dos mais famosos e reconhecidos realizadores italianos, é conhecido por causa de diversos filmes como "A Doce Vida", "Satyricon" e "Amarcord". Porém, é inegável que o seu filme mais celebrado seja "8 1/2" de 1963.

Passado na época de ouro do cinema italiano, o filme conta as desventuras vividas por um genial, porém frustrado, cineasta durante a produção de seu mais novo e aguardado filme. Tudo isso, enquanto está cercado de diversas mulheres, como a sua triste esposa Luísa, a espevitada amante Carla, a sua musa Cláudia, a excitante Gloria, a prostituta de sua infância Saraghina e até a sua defunta mãe, que bagunçam ainda mais a sua vida e deixam Guido cada vez mais confuso em relação ao seu passado, presente e futuro.

Extremamente elétrico, o filme passa todo o caos mental do protagonista para a tela com total eficiência. Portanto, não é de se estranhar que a cena de abertura de "8 1/2" seja um sonho para lá de estranho: um engarrafamento infernal do qual Guido foge voando. Além disso, tem o momento em que Guido sonha com o seu harém, habitado pelas várias mulheres de sua vida. Na minha opinião, essa é a melhor cena de todo o filme. Os flashbacks também são contantes. O filme vai e volta no tempo a fim de contar toda a infância de menino pobre e católico do cineasta.

Porém, quem realmente faz toda essa colagem dar certo é Marcello Mastroianni, que está ótimo na pele de Guido. Os momentos em que o seu personagem entra em desespero e tem um de seus muitos delírios são ótimos. Isso sem contar a interação dele com todas as atrizes com as quais contracena, cada uma delas recebendo um tratamento diferente, às vezes mais amigável, outras vezes mais rude.

As mulheres, por sinal, também são incríveis! Anouk Aimee como Luisa, a esposa de Guido, está muito bem ao mostrar toda a fragilidade, mas também força (escondida) que a sua personagem possui. Claudia Cardinale, apesar de aparecer pouco e já próximo ao final do filme, tem uma presença marcante como a grande estrela dos filmes de Guido. Há, porém, as personagens de cunho mais cômico como a matrona Saraghina, vivida por Eddra Gale, e a minha favorita, Carla, a amante interpretada por Sandra Milo. A cena em que ela chega na estação de trem, logo no início do longa, é uma das minhas favoritas.

Uma história de amor ao cinema, às mulheres e à vida, "8 1/2" conta uma história ótima e divertida com muito bom-humor e ótimas interpretações, além de belíssimos figurino e fotografia em preto e branco.


NOTA: 4/5