Dir.: Karim Aïnouz; Escrito por Karim Aïnouz e Beatriz Bracher; Com Alessandra Negrini, Thiago Martins, Otto Jr. 2011 - Vitrine Filmes (83 min. - 14 anos)
"Quando você me deixou, meu bem/Me disse pra ser feliz e passar bem/Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci/Mas depois, como era de costume, obedeci/Quando você me quiser rever/Já vai me encontrar refeita, pode crer/Olhos nos olhos, quero ver o que você faz/Ao sentir que sem você eu passo bem demais". Nas duas primeiras estrofes da canção "Olhos nos Olhos" de Chico Buarque, vemos o desenrolar de muitas separações. Ocorre primeiro o estágio da negação, aquele em que o indivíduo abandonado não aceita o fim do relacionamento. Depois, acontece o momento em que a pessoa aceita a separação, mas ainda não a aceita. Até que, finalmente, na terceira etapa, o indivíduo percebe que não adianta chorar pelo leite derramado e decide dar a volta por cima e continuar a viver a vida normalmente. Em poucas palavras, é essa a história de "O Abismo Prateado", que não à toa foi baseado na composição de Chico.
No longa de Karim Aïnouz, realizador de "Madame Satã" e "O Céu de Suely", Violeta é uma dentista que possui um filho saudável e um casamento, aparentemente, feliz. Porém, a casa cai quanto Djalma, seu marido, deixa uma mensagem no celular dela, dizendo que não a ama mais e pior, que se sente sufocado por ela. Obviamente, Violeta fica desconsolável e decide ir atrás do marido, que pegou um avião para Porto Alegre.
Ela se dirige, então, já tarde da noite, ao aeroporto para comprar a passagem para o próximo voo. Porém, este só sai às seis e meia da manhã do dia seguinte, obrigando-a a fazer algo enquanto espera a hora de embarcar. Nesse meio tempo, ela perambula pelas ruas do Rio de Janeiro, remoendo as palavras fortes usadas por Djalma para terminar o casamento de anos e conhecendo algumas pessoas em situação semelhante à sua.
Sim, a história não tem nada de inovadora e, pelo contrário, poderia muito bem ter caído no nível do banal. Porém, isso não acontece, devido à ótima performance de Alessandra Negrini como Violeta. A atriz incorpora a personagem e traz à tona de forma clara, mas também sutil, todas as emoções sentidas pela mulher abandonada, indo desde o sofrimento mais dolorido, como quando ela, em um quarto de motel, escuta novamente a mensagem deixada pelo marido, até a mais pura alegria e descontração, como quando ela dança ao som de "Maniac" do filme "Flashdance" em uma boate. Enfim, é uma bela atuação e um grande momento em sua carreira.
Porém, a direção de Karim Aïnouz também deixa o filme mais interessante. A fim de intensificar os sentimentos não só de Violeta, mas também de outras personagens, o diretor faz bastante uso da imagem e do som. Por exemplo, a primeira cena do filme mostra Djalma mergulhando na praia, enquanto ouvem-se os trovões de uma iminente tempestade, anunciando a tragédia que está para acontecer; no caso, o fim do casamento. Um outro momento de uso primoroso desse recurso ocorre na cena logo após a chegada de Violeta ao aeroporto. Nesse momento, a personagem está sozinha num saguão e acima de sua cabeça está o painel de pousos e decolagens. Até aí, tudo normal, porém o grande detalhe é que o último voo anunciado tem como destino Vitória, dando a entender que a personagem vai conseguir superar tudo aquilo. Acredito que isso pode até ter sido acidental, mas não é que se encaixou perfeitamente no contexto do filme?
O roteiro de Aïnouz e Beatriz Bracher também merece destaque. Apesar de ser, definitivamente, um drama, "O Abismo Prateado" possui, em diversos pontos da trama, elementos bastante singelos de humor. Não há como não abrir leves sorrisos quando uma taxista conta os seus desencontros amorosos à Violeta ou quando a moça conversa no banheiro com a menina Bel. Por sinal, a jovem Gabi Pereira como Bel e Thiago Martins como Nassir, o pai da menina, estão de parabéns por suas atuações.
"O Abismo Prateado" poderia ter sido uma verdadeira chatice, um filme com personagens pouco críveis e altas pretensões de seu realizador. Porém, felizmente, o oposto acontece. No geral, o filme é tão interessante que nem mesmo o seu ritmo lento chega a cansar (afinal, tem apenas 83 minutos de duração). Recomendo!
NOTA: 4/5