domingo, 31 de março de 2013

Magnólia (Magnolia)


Dir.: Paul Thomas Anderson; Escrito por Paul Thomas Anderson; Com John C. Reilly, Tom Cruise, Julianne Moore, Phillip Seymour Hoffman. 1999 - PlayArte (188 min. - 14 anos)


Uma das coisas mais interessantes de se morar numa cidade grande é pensar que cada uma das milhões de pessoas que nela vivem têm a sua própria vida, os seus próprios amigos e suas próprias preocupações. Por vezes me vejo na rua pensando o que cada pessoa que passa à minha frente está indo fazer, no que trabalha, onde mora... É um jogo bem divertido. Por isso mesmo, tenho que admitir que sou um grande fã daquela teoria dos Seis Graus de Separação, que diz que entre duas pessoas quaisquer há, no máximo, seis laços de amizade que as distanciam. Como consequência disso, adoro filmes-mosaico, aqueles em que há várias histórias aparentemente independentes, mas que em um momento ou outro acabam se cruzando. Não é por nada, então, que eu gostei tanto de "Magnólia".

Dirigido pelo ótimo Paul Thomas Anderson, "Magnólia" já começa deixando bem claro o seu ponto de vista quanto à vida: nada acontece por acaso! Para provar sua teoria, um narrador apresenta três histórias em épocas diferentes, envolvendo pessoas diferentes, mas que têm desfechos igualmente surpreendentes. Como aquilo pode ser mera coincidência? Daí, somos encaminhados aos dias de hoje, em que temos um primeiro contato com os vários personagens e situações que regem a narrativa do filme.

Uma grande qualidade do roteiro, escrito pelo próprio Anderson, é a ótima construção de todos os personagens. Uma das grandes armadilhas dos filmes-mosaico é a quantidade absurda de tipos, e para diferenciá-los devem-se criar características fortes a cada um deles. Porém, muitas vezes o que acontece é uma simplificação dos personagens, tornando-os meras caricaturas ao invés de seres humanos críveis. No caso de "Magnólia" isso não acontece. Até mesmo as figuras que poderiam ter se tornado esteriótipos do pior tipo como o personagem de Tom Cruise, um palestrante que diz como um homem deve dominar sexualmente a mulher, ganham nuances inesperadas. 

Ainda no roteiro, merecem elogios os diálogos. O tema principal de "Magnólia" são as relações familiares e os arrependimentos que muitas vezes esses relacionamentos nos proporcionam. Só pelo tema já dava para esperar um filme demasiadamente emotivo, que pudesse escambar facilmente para o melodrama; ainda mais num longa com várias histórias, em que muitas vezes elas são simplificadas para caber num filme de mais ou menos duas horas de duração. Porém, os diálogos criados por Anderson são muito bem escritos e não só contribuem para a construção de histórias mais bem desenvolvidas como também ajudam na caracterização dos personagens citada no parágrafo anterior.

Mas como eu sempre faço questão de ressaltar, roteiro e elenco estão de mãos dadas e, por isso, se um não está bom, o outro sai prejudicado. Em "Magnólia", para evitar que isso acontecesse, Anderson chamou um elenco de peso e os dirigiu de forma exemplar. Todos os atores estão muito bem em seus respectivos papéis, mas ao mesmo tempo, nenhum se destaca em relação aos outros, algo muito bom num filme desse gênero. Afinal, geralmente, em filmes com diversas histórias, há sempre uma certa instabilidade, já que há sempre uma que se sobressai. Porém, em "Magnólia", felizmente, isso não acontece.

Além disso, ao trabalhar com um elenco numeroso, num filme em que não há um protagonista propriamente dito, o diretor evitou que houvesse algum tipo de exagero nas performances, algo que tem acontecido em seus filmes mais recentes, que possuem um número menor de personagens. "Sangue Negro" e "O Mestre", por exemplo, são ótimos filmes, mas em ambos, os protagonistas, Daniel Day-Lewis e Joaquin Phoenix, respectivamente, apesar de terem performances notáveis, por vezes, exageram nos trejeitos e nas feições.

Apesar de ser um filme cheio de qualidades, "Magnólia" têm também as suas falhas, mesmo que elas não sejam prejudiciais ao todo. O primeiro é o tempo de duração: 3 horas e oito minutos. Como já é de se esperar, ao final, o filme começa a ficar cansativo. Entretanto, percebe-se que o filme manteve o exagerado tempo de duração em prol do melhor desenvolvimento das histórias e dos personagens. Outro problema é a trilha sonora incessante. Para manter o ritmo durante essas três horas, Anderson aplicou a música composta por Jon Brion a praticamente todas as cenas, o que ficou um pouco irritante. Mas, novamente, não é nada que prejudique o conjunto da obra.

"Magnólia" poderia ter sido apenas mais um filme-mosaico, porém o seu roteiro, elenco e direção de primeiríssima qualidade o põem em um patamar acima da média do gênero.


NOTA: 4/5


quinta-feira, 28 de março de 2013

Dançando no Escuro (Dancer in the Dark)


Dir.: Lars Von Trier; Escrito por Lars Von Trier; Com Björk, Catherine Deneuve, David Morse, Peter Stormare. 2000 - Imagem (140 min. - 12 anos)


O set de "Dançando no Escuro" é considerado até hoje um dos mais turbulentos da história do cinema. No meio do furacão estavam o diretor Lars Von Trier e a estrela do filme, a cantora islandesa Björk, que tinham ideias bastante diferentes sobre qual deveria ser o destino da protagonista do longa. Para se ter uma noção do quão intensas foram as filmagens, Björk chegou a desaparecer por três dias sem dar notícias, atrasando a produção. Depois disso, os dois nem se falavam mais no set. Entretanto, não há aquele ditado que diz os melhores perfumes vêm nos menores frascos? Então, no caso de "Dançando no Escuro", os melhores filmes são frutos das piores filmagens.

Situado numa cidadezinha do estado de Washington (EUA), em 1964, o filme conta a história da operária Selma, uma mulher humilde e apaixonada pelos musicais de Hollywood - paixão essa que a faz participar de uma pequena montagem de "A Noviça Rebelde" em sua cidade. Porém, Selma esconde um segredo de todo mundo: ela está ficando cega, devido à uma doença familiar. Para impedir que isso aconteça a seu filho, a moça guarda há anos dinheiro para pagar uma cirurgia que impedirá que ele tenha o mesmo destino que ela.

Entretanto, quanto mais cega Selma fica, pior fica a sua vida. Pessoas tentam se aproveitar dela e ela se vê em uma situação de vida ou morte. Mesmo assim, seguindo a filosofia dos musicais, ela mantém a cabeça erguida e procura sempre a luz no fim do túnel, mesmo que esta não seja visível.

Em "Dançando no Escuro", Björk tem o seu primeiro e único papel de destaque no cinema; e assim como na música, ela não decepciona. Pelo contrário, a islandesa se mostra uma atriz de mão cheia, tão boa que a gente até se pergunta se Selma não é, na verdade, um alter-ego da própria Björk. A cantora faz da operária uma personagem pela qual nós criamos uma afeição absurda e torcemos o tempo inteiro, mesmo que saibamos que ela vai sofrer ainda mais (afinal é um filme de Lars Von Trier). Pelo papel, Björk levou para casa, merecidamente, o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes em 2000; o que só aumenta a tristeza pelo fato dela não ter mais atuado desde então. Porém, lembremos que junto a ela estão outros artistas de destaque, principalmente Catherine Deneuve, ótima como Kathy, melhor amiga da sofrida Selma.

Mas se no campo da atuação, o show é de Björk, no campo da direção e do roteiro, Lars Von Trier é quem detona. Quer queira ou não, "Dançando no Escuro" é um musical. Porém, um musical diferente de todos os outros, graças às invencionices do diretor dinamarquês. Filmando os números musicais de câmeras fixas e usando ângulos estranhos ao gênero (dando por vezes a impressão de que foram câmeras de vigilância que filmaram tudo), Von Trier traz a sua marca para um filme que, tirando a história trágica, não tinha nada a ver com ele. Entretanto, não desista de "Dançando no Escuro" por antecedência, achando que o filme vai ser uma cantoria chata e interminável. Muito pelo contrário, o números musicais servem muito mais como uma forma de complementar a história do que como a base de todo o longa. Prova disso é que o canto e a dança só começam após 40 minutos de filme. Por isso, acho que "Dançando no Escuro" é um musical para quem não gosta de musicais; e olha que eu tenho a maior propriedade para dizer isso, já que eu estou longe de ser fã do gênero.

Já que estamos falando de um musical, temos que falar das músicas. Produzidas, em sua maioria, pela atriz principal e escritas por ela juntamente com o diretor e com compositores como Mark Bell e Sjón Sigurdsson, as canções de "Dançando no Escuro" tem em suas experimentações rítmicas o seu grande trunfo. Todas elas têm como base sons ordinários como o barulho das máquinas de uma fábrica, o "estalo" provocado por um disco numa vitrola e um trem passando pelos trilhos de uma estrada férrea; e daí são criadas músicas inteiras. Entretanto, diria que, tirando algumas exceções, as letras deixam a desejar, soando literais de mais e até um pouco bobas. Mas como um conjunto, letra e música, as canções são bastante interessantes.

Original e inventivo, "Dançando no Escuro" é um musical de alto nível e essencial não só para quem gosta do gênero como também para aqueles que costumam achar a cantoria e a dança que surgem do nada uma verdadeira bobagem.

NOTA: 4/5


Em Seu Lugar (In Her Shoes)


Dir.: Curtis Hanson; Escrito por Susannah Grant; Com Cameron Diaz, Toni Collette, Shirley MacLaine, Mark Feuerstein. 2005 - Fox (130 min. - 12 anos)


Rose é uma mulher certinha que, apesar de ser bem-sucedida em sua carreira de advogada, tem muito azar quando o assunto é amor/sexo e estética. Por outro lado, sua irmã, Maggie, não consegue se manter em nenhum emprego, é magra e bonita, e não tem do que reclamar sobre sua vida sexual.

Quando Maggie é expulsa da casa de seu pai e de sua madrasta por ficar bêbada pela enésima vez, é Rose quem tem que acolher a irmã mais nova e aturar as suas atitudes repreensíveis. Entretanto, tudo vai por água abaixo quando Maggie transa com o novo affair de Rose, causando ira na irmã, que a expulsa de seu apartamento. Agora, sozinha e na sarjeta, Maggie vai à procura da avó que nunca mais viu após a morte de sua mãe, enquanto  Rose dá uma guinada em sua vida profissional e amorosa.

A história de "Em Seu Lugar" é tão velha quanto Hollywood. Afinal, quantas vezes já não vimos no cinema dramas entre irmãs completamente diferentes? Entretanto, apesar dos pesares, o filme do diretor Curtis Hanson consegue atingir o seu objetivo: emocionar o seu público sem melodrama de mais, nem inteligência de menos.

Apesar da previsibilidade do enredo, "Em Seu Lugar" ganha pontos pela ótima construção de suas personagens femininas. Mesmo que a princípio, Rose e Maggie pareçam que vão ser limitadas a meros esteriótipos - a irmã certinha e feia e a irmã irresponsável e bonita -, com o passar do tempo, o roteiro de Susannah Grant consegue transformá-las em seres humanos críveis, e o melhor, nada caricaturais. O mesmo se aplica à avô das protagonistas, Ella, que poderia facilmente ter se tornado a típica senhora linha-dura.

Porém, vale lembrar que um roteiro bem escrito não é suficiente; o elenco também é bastante importante. Quem conhece o trabalho de Toni Collette, sabe que ela é uma grande atriz, e em "Em Seu Lugar" ela faz jus à sua reputação, entregando uma adorável performance como Rose. Cameron Diaz, por sua vez, parece que nasceu para interpretar Maggie, um papel que concilia muito bem o drama e a comédia; e a atriz (que, diga-se de passagem, é uma das minhas favoritas) tem um dos melhores momentos de sua carreira como a personagem. Em uma participação de luxo, Shirley MacLaine está ótima como Ella, além de possuir uma ótima química com as suas netas de mentirinha. Entre os artistas secundários, sobressaem todo o elenco de apoio do condomínio da terceira idade onde Ella vive e Candice Azzara como Sydelle, a detestável madrasta de Rose e Maggie.

Entre as várias reclamações que se faz ao cinema comercial voltado ao público feminino estão a "idiotização" da plateia e as histórias sem um pingo de verossimilhança. Se formos por esse caminho, "Em Seu Lugar", que apesar de ser previsível e mais longo do que deveria, é um ponto fora da curva, já que traz personagens reais e uma história que respeita a inteligência do espectador.

NOTA: 3.5/5


domingo, 24 de março de 2013

Caça aos Gângsteres (Gangster Squad)


Dir.: Ruben Fleischer; Escrito por Will Beall; Com Josh Brolin, Ryan Gosling, Sean Penn, Emma Stone. 2013 - Warner (113 min. - 16 anos)


Quando começaram as notícias sobre a produção de "Caça aos Gângsteres", eu tenho que admitir que não dava muita bola para o filme. Também nessa época só havia uma foto do longa e nada mais. Mais algum tempo depois, o primeiro trailer apareceu e ele era uma mistura perfeita de cenas de ação, uma bela fotografia e música agitada (no caso "Oh My God" de Jay-Z). Além disso, tudo culminava numa breve amostra de um ataque a um cinema. De repente eu mudei completamente de posição e esperava ansiosamente pela estreia de "Caça aos Gângsteres".

Até que aconteceu o fatídico tiroteio dentro de um cinema na cidade de Aurora durante a exibição de "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge" e "Caça aos Gângsteres" teve que ser adiado do final do ano passado para o início deste ano para que pudessem ser feitas algumas refilmagens, afinal não tinham como deixar o atentado ao Chinese Grauman Theater no filme depois de uma situação tão parecida ter realmente acontecido na vida real. Mesmo assim, continuei ansioso pela estreia do filme e, enfim, após novas fotos e um novo trailer (sem a cena do cinema, obviamente, mas que mantinha o mesmo espírito do trailer original), "Caça aos Gângsteres" estreou e eu fiquei bastante... decepcionado.

O filme possui, inegavelmente, um visual deslumbrante. A fotografia é de extremo bom gosto, utilizando cores marcantes para diferenciar este de outros filmes do gênero, mas ao mesmo tempo, sente-se que é feita uma homenagem às antigas histórias de gângster. Os figurinos, aliados à direção de arte, fazem uma ótima reconstituição dos anos 1940/50. Há até pôsteres de divulgação de um show de Carmen Miranda e uma das cenas de ação do filme acontece durante uma apresentação da própria!

Porem, se "Caça aos Gângsteres" ganha pontos pela suas escolhas estéticas, o mesmo não se pode dizer de sua narrativa. O longa conta a história de um grupo de agentes da polícia de Los Angeles que recebe a seguinte missão: derrubar Mickey Cohen, líder dos mafiosos, a qualquer custo. Para tanto, eles saem à noite, deixando seus distintivos de lado, para que possam arruinar o império do maior criminoso de uma das maiores cidades dos EUA.

Pela sinopse, espera-se um filme bastante interessante, afinal ver policiais burlando leis a fim do bem da população parece ser uma premissa no mínimo curiosa. Entretanto, se quando o filme começa, ele parece ser um filme de ação acima da média, com o desenrolar da narrativa, percebe-se que não é assim que a banda toca. O mais curioso de tudo é que assim que o Esquadrão Anti-Gângsteres começa as suas atividades, o filme perde força e se torna um mero filme de ação com visual de época.

As sequências de perseguições de carro e tiroteio não são emocionantes como eu estava esperando que fossem. Pelo contrário, em nenhum momento o filme conseguiu realmente me empolgar. Além disso, algumas das cenas de ação, como a primeira perseguição entre o Esquadrão e os capangas de Cohen, são mal editadas, deixando esses trechos incrivelmente confusos; sendo que no caso que eu citei, a cena ainda acontece à noite. Já dá para imaginar que eu só entendi o que aconteceu quando um dos lados ganhou.

Quanto ao elenco, a promessa era grande. Josh Brolin, Sean Penn, Ryan Gosling, Emma Stone, entre outros, juntos num mesmo filme já seria motivo o suficiente para conferir "Caça aos Gângsteres" no cinema. Porém todos eles parecem estar trabalhando no piloto automático, sem grande envolvimento com suas personagens. O único que, talvez, fuja à essa regra seja Penn que faz o grande vilão do filme. Mas mesmo assim, ele acaba exagerando e muitas vezes excede no número de caras e bocas.

Em poucas palavras, "Caça aos Gângsteres" não é ruim, porém não vale uma ida ao cinema. Se quiser conferi-lo, é melhor esperar até ele chegar à locadora mais próxima de sua casa. A decepção, provavelmente, vai ser menor. O que um trailer bem montado não faz, hein?

NOTA: 3/5


sábado, 23 de março de 2013

Selvagens (Savages)


Dir.: Oliver Stone; Escrito por Shane Salerno, Don Winslow e Oliver Stone; Com Blake Lively, Aaron Johnson, Taylor Kitsch, Benicio Del Toro. 2012 - Universal (131 min. - 18 anos)


Oliver Stone é conhecido por ser um diretor nem um pouco sutil, afinal o que não falta em seus filmes é sexo, drogas e violência. Isso sem contar as atuações exageradas (no bom sentido) e a edição frenética. Porém, em alguns momentos o diretor usa essa fórmula e o resultado é mais ou menos (como em "Assassinos por Natureza"). Felizmente, em outras situações, Stone usa o excesso a seu favor e faz um ótimo filme, como é o caso de seu mais recente longa: "Selvagens".

No filme, dois amigos - Ben e Chon - são produtores de maconha na Califórnia. O negócio deles, que de início era apenas uma forma de chegar à erva perfeita, ganha tamanha proporção que os dois conseguiram dinheiro suficiente para comprar uma bela mansão envidraçada de frente para a praia - o lugar preferido deles. Somando-se ao sucesso profissional, há ainda a bela namorada da dupla, O, uma típica "pobre menina rica". Como ela faz questão de dizer, Ben e Chon são extremamente diferentes um do outro. Se com Ben ela faz amor, com Chon ela trepa; e essa relação reflete no negócio das drogas. Enquanto Ben é o cérebro por trás de toda a produção da dita melhor maconha do mundo, Chon representa a violência, ou seja, ele é aquele que quando necessário, vai acertar as contas com as próprias mãos.

Como já era de se esperar, a história da maconha perfeita vai parar nos ouvidos da líder do principal cartel mexicano, Elena, que prontamente decide fazer uma proposta aos rapazes. Em troca da "pacificidade" entre mexicanos e californianos, Ben e Chon devem fornecer a sua maconha ao cartel. Porém, apesar da tentadora proposta, a dupla de amigos recusa a oferta, o que, obviamente, causa a ira de Elena, que decide, então, se vingar. Como? Ela sequestra o grande amor da vida deles: O. E assim começa uma eletrizante corrida de gato e rato entre os dois grupos.

Pelo que dá para ver pela história, o filme tem cenas extremamente fortes, tanto de violência quanto de sexo. A maior prova disso é que logo nos primeiros minutos já há um exemplo de cada uma dessas situações: O e Chon transam loucamente num sofá e os mexicanos fazem um vídeo em que mostram as cabeças decapitadas de inimigos. E isso é só o início, portanto fica a dica: se você não gosta desse tipo de coisa, fuja de "Selvagens". Entretanto, se você não liga para isso, continue a ler esta crítica.

Como já pude falar aqui em cima, as atuações em muitos filmes de Oliver Stone são bem acima do tom, e em "Selvagens" não é exceção. Na realidade, os três "heróis", vividos por Taylor Kitsch, Aaron Johnson e Blake Lively, são até os mais discretos. O grande teatro está presente mesmo é no lado dos mexicanos. Salma Hayek como Elena e Benicio del Toro como Lado, o braço-direito da líder do Cartel, encarnam suas personagens com força total. Dessa forma, as atuações deles são bem caricatas de propósito, talvez até para deixar ainda mais clara as diferenças entre americanos e mexicanos. Por causa disso, o que não falta é grito, sotaque carregado e até peruca! Mesmo assim, do lado dos americanos há um personagem bem caricato também. Nesse caso, é o policial corrupto vivido por John Travolta, que em uma pequena participação, já consegue deixar a sua marca.

Mas não são só as atuações que são desmedidas; todo o visual do filme segue essa linha também. A edição, por exemplo, é frenética nas cenas de ação. A fotografia usa cores fortíssimas: o mar é AZUL e o sangue é VERMELHO. E quer saber? Eu amei isso! 

Entretanto, posso apostar que alguém vai se perguntar por que eu estou defendendo tanto o exagero em "Selvagens", se no caso de outros filmes eu o estaria criticando. A explicação é simples: no filme de Oliver Stone o exagero serve apenas para realçar o roteiro polêmico, ou seja, desde sua concepção "Selvagens" já tinha a intenção de ser vibrante e acima do tom. Enquanto isso, em outros filmes, que possuem roteiros mais "calmos", quando se faz o uso do exagero, em sua maioria ele acontece por mero desleixo do diretor e não como princípio cinematográfico. E mesmo quando comparado a outros filmes propositalmente acima do tom, "Selvagens" ainda tem uma vantagem crucial: o exagero não é feito em detrimento da compreensão. Qualquer um pode citar um filme em que a edição frenética, por exemplo, deixou cenas de ação incrivelmente confusas; um caso recente foi "Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança", que ao fazer uso da câmera de mão e da edição rápida nessas sequências, deixou o filme todo bagunçado, como quando uma criança pega todos os seus brinquedos e os joga ao ar. Já em "Selvagens", as cenas de ação são compreensíveis apesar da edição acelerada.

Enfim, para não me alongar mais, acho bastante interessante comparar "Selvagens" com "Assassinos por Natureza". Ambos esse filmes de Oliver Stone são exageradíssimos, porém onde "Assassinos..." erra, "Selvagens" acerta. Se no filme de 1994, o exagero acabava por prejudicar o aprofundamento da história e das personagens, no filme de 2012, que apesar de não ter, pelo menos ao meu ver, uma crítica social tão forte, a adoção do superlativo apenas faz bem à história. "Selvagens" é um filme que merece a alcunha de EXAGERADO!

NOTA: 4/5


quarta-feira, 13 de março de 2013

A Viagem (Cloud Atlas)


Dir.: Tom Tykwer, Andy Wachowski e Lana Wachowski; Escrito por Tom Tykwer, Andy Wachowski e Lana Wachowski; Com Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugo Weaving. 2012 - Imagem (172 min. - 16 anos)


"A Viagem" é um daqueles filmes que surgem de tempos em tempos que são tão ambiciosos que acabam dividindo as opiniões de todo mundo. Dirigido por três diretores, filmado em dois sets independentes com um mesmo elenco encarnando vários personagens ao longo de seis histórias paralelas, "A Viagem" é, quer goste ou não, um filme diferente de tudo que tem sido lançado ultimamente; principalmente, se considerarmos que ele foi feito com um orçamento salgado de 102 milhões de dólares, todo levantado de forma independente, já que nenhum estúdio queria financiar sozinho um filme tão arriscado, comercialmente falando. Há aqueles que odiaram o filme, dizendo ser longo e pretensioso, por outro lado, há aqueles que adoraram a experiência; e eu, sem dúvida alguma, estou no segundo grupo.

O filme conta, ao mesmo tempo, seis histórias diferentes, cada uma delas ambientada em épocas e locais diferentes. 

  • A primeira acontece no meio do Oceano Pacífico em 1849, quando numa viagem entre as Ilhas Chatham (Nova Zelândia) até São Francisco nos EUA, um advogado abolicionista americano, que esconde dentro do navio um escravo fugido, é secretamente envenenado pelo médico a bordo que quer roubar as suas finanças. 
  • A segunda se passa na Grã-Bretanha da década de 1930 e apresenta a relação entre um renomado compositor em decadência e seu escrivão bissexual, que inicia a composição de uma obra própria - o Sexteto Cloud Atlas -, que depois irá desencadear o desentendimento entre mestre e pupilo.
  • A terceira história acompanha a jornalista Luisa Rey na São Francisco dos anos 1970, enquanto ela investiga uma conspiração envolvendo um novo reator nuclear que pode ameaçar a segurança da população norte-americana.
  • A quarta se desenrola na Inglaterra de 2012 e narra as tentativas de um grupo de idosos, liderados por um ex-editor de livros, de escapar de um asilo que mais parece uma prisão.
  • A quinta história acompanha a jornada de Sonmi-451, um clone que serve mesas numa lanchonete na Neo Seul de 2144, que com a ajuda de um revolucionário resolve lutar contra o governo ditatorial e violento que comanda a humanidade.
  • E a sexta e última, ambientada na Grande Ilha, 106 invernos após A Queda, acompanha um habitante de uma pequena população pós-apocalíptica que decide acompanhar uma forasteira dotada de alta tecnologia até Cloud Atlas, uma estação de comunicação que permite o contato com outras colônias da Terra.
Com tanta ambição envolvida, era quase impossível que "A Viagem" fosse um filme sem falha alguma, e como já era de se esperar, o longa possui alguns problemas. O principal deles é a necessidade do filme abranger o maior número de temas possível - submissão, revolução, religiosidade, reencarnação, entre muitos outros. Se o filme explorasse cada um desses tópicos de forma aprofundada, seria preciso o triplo de tempo de duração, algo impensável. Dessa forma, os temas são abordados superficialmente e de forma previsível, caracterizando, portanto, clichês.

Além disso, a escolha de fazer um mesmo grupo de atores interpretar vários personagens se mostra bastante irregular. Apesar de ser bastante divertido tentar descobrir quem é quem em cada uma das histórias, o filme se torna bastante dependente da maquiagem, e esta possui resultados mistos. Enquanto em alguns momentos ela é impecável, geralmente naqueles em que nem reconhecemos o ator por trás das próteses (como essas), em outros ela é sofrível, especialmente quando Halle Berry (negra) e Doona Bae (coreana) são transformadas em mulheres brancas ou quando Jim Sturgess (inglês) e Hugo Weaving (ascendência britânica) são transformados em coreanos. Enfim, a ideia é muito interessante, mas a execução é mais ou menos.

Entretanto, no geral o filme é um acerto só, a começar pela própria produção. Os figurinos, a direção de arte, a fotografia, os efeitos especiais: tudo isso é muito bem feito. Lembrando, que o filme contou com duas equipes diferentes, ou seja, são dois figurinistas, dois diretores de arte, dois diretores de fotografia, cada um deles trabalhando em um set, o que cria um desafio a mais: manter a coesão. E esse desafio é cumprido de forma bastante competente. Um adendo: o editor Alexander Berner faz um ótimo trabalho, mantendo o ritmo do filme durante suas quase três horas de duração sem sacrificar o entendimento das seis histórias.

Falando em coesão, o trio de diretores formado por Andy e Lana Wachowski e Tom Tykwer merece muitos e muitos parabéns. Apesar de trabalharem separadamente, os irmãos de um lado e Tykwer do outro, cada lado encarregado de três histórias, os realizadores mostraram total profissionalismo ao manter no mesmo pé de igualdade os níveis técnico e artístico de ambos os sets. Sejamos sinceros, esse desafio não é para qualquer um e os três conseguiram fazer, no geral, tudo dar certo.

O elenco, também, está muito bem. Além dos veteranos como Halle Berry, Tom Hanks, Hugh Grant e Susan Sarandon, os "novatos" como Doona Bae, Jim Sturgess e Ben Whishaw se mostram mais do que capazes de fazer jus aos seus companheiros de trabalho. Por sinal, Bae e Sturgess na história em Neo Seul e Whishaw no enredo do Sexteto Cloud Atlas apresentam as melhores performances de todo o longa.

Em resumo, "A Viagem" não é uma experiência perfeita, porém não deixa de ser uma lufada de ar fresco no cinema comercial e um marco no cinema recente por suas intensões épicas e inovadoras. E o mais importante: a diversão é garantida!

NOTA: 4/5


O Mestre (The Master)


Dir.: Paul Thomas Anderson; Escrito por Paul Thomas Anderson;Com Joaquin Phoenix, Phillip Seymour Hoffman, Amy Adams. 2012 - Paris (144 min. - 14 anos)


O primeiro filme que eu vi do diretor Paul Thomas Anderson foi "Sangue Negro". Me lembro que estava super receoso, uma vez que o filme tinha mais de duas horas e meia de duração, e se eu não gostasse estava definitivamente ferrado. Felizmente, o filme é espetacular, com ótimas atuações, um roteiro afiado e uma produção impecável. Por isso, eu fiquei bastante feliz quando soube que depois de cinco anos afastado do cinema, Anderson iria lançar um novo filme que supostamente criava mais polêmicas sobre a já polêmica Cientologia. Temos, então, "O Mestre", que apesar de não ser tão bom quanto o filme anterior do diretor, ainda é definitivamente um longa acima da média.

O filme começa logo após o fim da Segunda Guerra Mundial quando os americanos, entre eles Freddie Quell, estão voltando para casa. A vida, claro, não é fácil, já que Freddie passa por diversos empregos, de fotógrafo até trabalhador rural, sendo demitido de todos eles por causar mal-estar no local de trabalho. Alcoólatra inveterado, misturando tudo que tenha álcool em sua "poção mágica", e desempregado, Freddie um dia resolve entrar dentro de um barco atracado num cais. Daí começa a relação dele com A Causa.

Fascinado com a estranha bebida preparada por Freddie, o líder d'A Causa, Lancaster Dodd (também chamado de Mestre), resolve adotar o veterano de guerra como o seu pupilo, não só para salvá-lo da vida de sexo e bebedeiras, mas também para atrair cada vez mais pessoas para a sua seita. Entretanto, quem não compra a ideia é a esposa de Dodd, a jovem Peggy, que apesar de acreditar n'A Causa, não acredita na salvação de Freddie.

Então, inicia-se toda uma iniciação de Freddie ao grupo que irá por a sanidade tanto do Mestre quanto de seu aprendiz em xeque. Além de surgirem questionamentos quanto à veracidade do discurso de Dodd, uma vez que Freddie se mostra uma cobaia muito mais difícil do que se imaginava.

O grande chamariz de "O Mestre" é a relação entre Freddie Quell e Lancaster Dodd. O interessante é perceber que Dodd trata Quell como um filho seu, porém não como a um rebento qualquer, mas sim como um diamante bruto, esperando por uma bela lapidação. Por causa disso, não é de se espantar que no início do filme Dodd chame Quell de animal e o trate como um cãozinho malcriado. Porém, vale lembrar que essa relação não é assim por acaso. Na verdade, a meu ver, o relacionamento entre os dois é uma forma do Mestre compensar o desprezo que tem por seu filho verdadeiro, que não acredita nem um pouco nas palavras dele. Pode-se dizer, portanto, que o principal ponto de discussão de "O Mestre" não é nem a polêmica em torno d'A Causa (que seria uma alusão à Cientologia), mas sim as relações humanas - entre pais e filhos, entre mestre e súditos - que permeiam as reuniões da seita.

Quanto a isso, o roteiro de Paul Thomas Anderson e as performances do elenco estão muito bem. Anderson, que escreve todos os seus filmes, aqui constrói cenas perfeitas como a primeira sessão entre Freddie e o Mestre, que servem para formar dinamicamente a personalidade dos dois protagonistas. Além disso, Anderson mantém o tempo inteiro um clima bastante misterioso, enigmático sobre o que realmente é a Causa e se o Mestre realmente acredita naquilo que diz ou se ele apenas inventa tudo.

O elenco também está ótimo, principalmente os dois protagonistas. Joaquin Phoenix por vezes exagera, especialmente na postura e em algumas caretas de seu personagem, porém no geral é uma performance especial; ainda mais se lembrarmos que este é o primeiro papel dele desde aquele pegadinha em que ele fingiu ter desistido da vida de ator para virar rapper, que deu origem ao falso documentário "I'm Still Here" dirigido por Casey Affleck. Phillip Seymour Hoffman, colaborador frequente de Paul Thomas Anderson desde "Jogada de Risco", na minha opinião é quem tem o melhor desempenho de todo o filme. Gostei muito das oposições que ele deu ao Mestre, por vezes bastante sereno, mas em outros momentos claramente raivoso e até intolerante. Fechando o trio principal, Amy Adams faz uma participação relativamente pequena e sem grandes momentos como Peggy, mas no geral é mais uma boa performance dessa ótima atriz.

Como já é de se esperar de um filme de Paul Thomas Anderson, "O Mestre" é tecnicamente perfeito. A fotografia de Mihai Malaimare Jr. é de fazer qualquer um babar de tão bonita que é, o figurino e a direção de arte traduzem muito bem a época em que a história é situada e a trilha sonora de Jonny Greenwood (guitarrista da banda Radiohead e colaborador de Anderson desde "Sangue Negro", para o qual fez um excelente trilha) traz ainda mais mistério para o enredo do longa.

Para não-iniciados na filmografia de Paul Thomas Anderson, "O Mestre" pode parecer um saco (a mulher que sentou atrás de mim no cinema que o diga) por conter cenas bastante estranhas como a sequência de abertura do filme, por exemplo. Mas para quem, como eu, já viu "Embriagado de Amor" e a chuva de sapos em "Magnólia", fica a impressão de que "O Mestre" é mais um ótimo trabalho do diretor californiano.

NOTA: 4/5


sexta-feira, 8 de março de 2013

A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)


Dir.: Kathryn Bigelow; Escrito por Mark Boal; Com Jessica Chastain, Kyle Chandler, Jason Clarke, James Gandolfini. 2012 - Imagem (157 min. - 14 anos)

Parece ontem, mas acredite, já se fazem quase dois anos desde que os jornais do mundo inteiro noticiaram a morte de Osama Bin Laden em uma mansão no Paquistão. Quem não se lembra dos dias após o assassinato, em que os americanos saíram às ruas para comemorar, em que muitos, inclusive eu, suspeitaram da veracidade das informações dadas pelo governo dos EUA? Enfim, foi um daqueles períodos que quem viveu irá sempre lembrar.

Obviamente, Hollywood não perdeu a oportunidade de capitalizar em cima de um dos mais importantes acontecimentos da História mundial recente e logo chamou a recém-oscarizada por "Guerra ao Terror" Kathryn Bigelow para dirigir o filme e esta, consequentemente, convidou o roteirista de seu filme anterior, Mark Boal, para pesquisar e contar a história de como os EUA localizaram e mataram Osama Bin Laden. Daí nasceu "A Hora Mais Escura".

O filme abrange um período de dez anos, começando no ataque às Torres Gêmeas em setembro de 2001 (representado no filme pela ligação de uma das vítimas do atentado para o 911) e termina com o extermínio do inimigo nº 1 dos EUA na época. Levando o espectador aos bastidores desta longa caçada está Maya, a agente da CIA que passou uma década atrás de pistas que levassem ao principal mensageiro da Al-Qaeda e por tabela ao seu líder.

Ao longo de pouco mais de duas horas e meia, o filme apresenta cenas fortes como aquelas sequências polêmicas que exibem a tortura de prisioneiros pelos agentes da Agência de Inteligência Central ou o próprio clímax do filme. Entretanto, o filme não é tão violento quanto se espera; na realidade, o longa apresenta muito mais cenas de tensão do que de terrorismo ou assassinato. E por isso mesmo o filme consegue segurar a atenção do espectador.

Apesar de ser longo e, consequentemente, cansativo, "A Hora Mais Escura" tem tantas informações por minuto que eu, pelo menos, não me importava muito com quanto tempo faltava para o filme acabar. Pelo contrário, quanto mais coisas eram reveladas, mais eu me interessava pelo filme. Nesse sentido, tanto a direção firme de Bigelow quanto o roteiro quase jornalístico de Boal estão de parabéns.

Falando nisso, Boal acerta também ao optar por não dar muitas informações sobre a vida pessoal de Maya, pois muitas vezes vemos thrillers políticos se prejudicarem por acabarem dando mais espaço do que deviam para os dramas familiares e os namoricos dos protagonistas. Aqui, a personagem principal é uma agente da CIA e ponto.

Por sinal, tenho ouvido muitas reclamações sobre a atuação de Jessica Chastain, dizendo que ela está muito fria. Tenho que admitir que já vi performances melhores dela como em "Histórias Cruzadas" e até como a mãe em "A Árvore da Vida" (no qual ela era um dos poucos motivos para assistir ao filme), mas também não posso dizer que o desempenho dela é fraco. No início ela realmente está mais contida e fria, mas quanto mais perto da conclusão do filme, melhor ela fica.

Talvez uma das poucas críticas que se tenha a fazer do filme seja a edição da cena principal do filme: a invasão ao esconderijo de Bin Laden. Apesar do Oscar do filme ser merecido, pois como um todo ele é muito bem cortado, neste momento em particular eu achei que a edição deixou a desejar. Em certos trechos é inevitável uma certa confusão sobre onde está quem.

"A Hora Mais Escura" é comprido (e se sente a sua duração) e demanda a atenção máxima do espectador o tempo todo, mesmo assim é um ótimo exemplo de filme-jornalismo.

NOTA: 3.5/5


Amor (Amour)


Dir.: Michael Haneke; Escrito por Michael Haneke; Com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert. 2012 - Imovision (127 min. - 14 anos)


O casal de ex-professores de música, Georges e Anne, possuem uma vida pacata e bastante agradável. Os dois vivem num confortável apartamento em Paris e vão frequentemente a concertos de música clássica, mantendo uma vida cultural bastante ativa para dois indivíduos octogenários. Porém, tudo isso começa a se deteriorar quando Anne mostra sinais de que sua saúde está frágil, tendo que se submeter a uma cirurgia. Entretanto, o procedimento dá errado, e daí a vida de Anne morre pouco a pouco, e junto dela, a de seu marido, encarregado de cuidar dela neste momento difícil. Esta é a prova de "Amor" definitiva.

Desde o início do mais recente filme de Michael Haneke, já sabemos que a história do casal não vai acabar bem. Porém, neste caso, o que interessa não é a conclusão, mas sim o meio; e essa é a parte mais difícil. Sem dúvida alguma, "Amor" não é um filme para quem tem coração mole, pois apesar de seu título poético, o filme é bastante cru no que diz respeito ao deterioramento da saúde de Anne. Vemos cada etapa de seu sofrimento e, consequentemente, do de seu marido também.

Filmado basicamente dentro de um mesmo cenário - o apartamento do casal -, Haneke mostra em "Amor" a sua total competência tanto na escrita como na direção do filme. O seu roteiro, apesar de contar com algumas cenas mais metafóricas, é bastante realista, não apelando em momento algum para o sentimentalismo barato, pelo contrário, aqui o amor é mostrado pelo seu lado mais humano, ótimo em certos momentos e sofrido em outros. Até mesmo as cenas mais depressivas do filme não apresentam uma visão monocromática, preta ou branca, do assunto, mas sim um ponto de vista cinza, mesclado com outras cores aqui e acolá.

Além disso, diria eu, o filme é até bem acessível apesar de ser um típico produto do cinema de arte. Digo isso, pois acredito que todos nós já passamos ou presenciamos alguma situação semelhante àquela apresentada pelo filme. Quem nunca teve algum parente ou amigo que teve uma morte lenta e dolorosa? Daquelas que tentamos contornar, mas que não vemos muitas alternativas possíveis. Então, no caso de "Amor", não importa se o filme é falado em francês e os atores são desconhecidos do grande público, o que importa é a mensagem, e esta é universal.

Grande parte da verossimilhança do filme deve-se aos esforços singulares de Jean-Louis Trintignant e, principalmente, de Emmanuelle Riva. Ambos possuem performances espetacularmente contidas: Trintignant no sofrimento de seu personagem por ver a sua grande companheira presa a uma cadeira de rodas e, posteriormente, a uma cama; e Riva na gradual deterioração física de sua personagem. É aí que a experiência dos atores e do diretor faz a diferença, pois se o filme tivesse sido feito por uma equipe diferente, talvez não tivéssemos o resultado de hoje.

Apesar de se estender demais e causar cansaço, que acredito que de uma forma ou de outra até tenha sido a intenção do diretor, "Amor" é um filme melancólico, esperançoso, pesado e poético. E essas são as razões que o fazem memorável.

NOTA: 3.5/5


domingo, 3 de março de 2013

Django Livre (Django Unchained)


Dir.: Quentin Tarantino; Escrito por Quentin Tarantino; Com Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson. 2012 - Sony (165 min. - 16 anos)

Atualmente, Quentin Tarantino é um dos poucos diretores que consegue manter as suas marcas autorais - como a violência extrema, os diálogos afiados e a trilha sonora vintage - e ainda assim atrair grandes públicos para os seus filmes. Um perfeito exemplo disso é o último longa do diretor, "Django Livre".

Passado em meados do século XIX, o filme acompanha a dupla formada por Django e o dr. King Schultz, o primeiro é um ex-escravo com sede de vingança e um segundo é um dentista que se tornou caçador de recompensas, uma vez que assim ele ganha bem mais dinheiro. Os dois percorrem o sul dos EUA atrás de criminosos procurados pela Justiça a fim de matá-los e receber grandes recompensas.

Porém, após algum tempo nessa verdadeira caça aos bandidos, Django chega à conclusão de que ele precisa usar tudo o que aprendeu com Schultz para salvar a sua esposa, Brunhilde. Coincidentemente, o nome da amada do ex-escravo é o mesmo da donzela de uma antiga lenda alemã, na qual o herói, Siegfried, deve enfrentar um dragão e seu círculo de fogo para salvar a sua companheira; e por ser alemão, o doutor se vê na obrigação de acompanhar o seu fiel escudeiro nesta nova jornada.

Porém, não é preciso dizer que nada vai ser tão simples assim, uma vez que a lenda de Siegfried irá se repetir na vida real e Django e Schultz terão que enfrentar o sádico fazendeiro Calvin Candie e seu braço-direito, o negro racista(!) Stephen.

Uma coisa é preciso admitir, Tarantino é mesmo um grande roteirista! Não só toda a premissa de "Django Livre" é bastante criativa, mas o diretor também parece ter um dom para criar personagens e cenas memoráveis. Figuras como Django, o dr. King Schultz, Calvin Candie e Stephen são daquelas que vão ser lembradas por ainda muito, mas muito tempo. Enquanto isso, Tarantino usa o seu talento como dialogista para criar situações surpreendentes e extremamente bem construídas. Sequências como o grande jantar na casa de Calvin Candie e a discussão de uma incipiente Ku Klux Klan sobre as suas máscaras estão entre algumas das melhores cenas que eu tenha visto recentemente.

Além disso, não sei se é apenas impressão minha, mas Tarantino também vem se tornando um diretor cada vez mais experiente. No caso de "Django Livre", ele faz um ótimo uso dos US$ 100 milhões do orçamento, comandando com maestria todos os seus "subordinados", indo desde a direção de arte até a fotografia, passando pelo figurino.

Isso sem contar com o elenco, que está fenomenal! Jamie Foxx tem ótimos momentos como Django, principalmente quando está junto do excelente Christolph Waltz, que consegue tirar o melhor proveito de seu personagem que, honestamente, poderia ter se tornado apenas mais uma variante do Hans Landa de "Bastardos Inglórios". Como Calvin Candie, Leonardo DiCaprio mostra como se tornou um dos melhores atores de sua geração. Kerry Washington imprime à Brunhilde um misto perfeito de coragem e sensualidade. Mas na minha humilde opinião, quem rouba a cena mesmo é Samuel L. Jackson. Desde que o vi em "Entre o Céu e o Inferno", percebi o quão bom ator ele é, e em "Django Livre", na pele do abominável Stephen, ele está excelente. Sem dúvida, é o grande injustiçado do elenco no que diz respeito a reconhecimento nas grandes premiações.

Porém, nem tudo é perfeito. Se como eu falei, Tarantino vem crescendo como diretor e mostra mais uma vez que é um ótimo roteirista, "Django Livre" deixa claro que ele realmente não é um editor experiente. Se em "Bastardos Inglórios" ele já mostrava certa dificuldade em enxugar a história, tanto que aquele filme tem mais de duas horas e meia de duração (por sinal, algo comum na filmografia do diretor), em "Django Livre" fica claro que ele realmente é uma pessoa que não sabe resumir as coisas. Se tivesse cerca de meia hora a menos (passando de inchados 165 minutos para mais ou menos 135 minutos), seu mais novo filme seria forte candidato a ser sua obra-prima, porém, talvez por ser o autor do roteiro, o que deixa mais difícil escolher o que deve ser cortado e o que deve ser mantido, Tarantino acaba deixando o filme arrastado em certos momentos, principalmente entre o fim do primeiro ato e o jantar com Candie e depois em seus últimos 20-25 minutos.

Outra coisa que eu gostaria de ver também é Tarantino abandonar um pouco a sua zona de conforto. Não é que eu não goste de suas marcas registradas (algo que eu já elogiei aqui), mas é que, tirando o orçamento maior e a escolha por histórias de época, eu não o vejo tentando coisas novas. Apesar de adorar a sua violência propositalmente exagerada e a sua trilha sonora cheia de ótimas músicas (entre elas as originais "Ancora Qui" e "100 Black Coffins" de Ennio Morricone e Rick Ross, respectivamente), "Django Livre" mostra um Tarantino acomodado em artifícios utilizados por ele desde os seus primeiros filmes. Enfim, gostaria de vê-lo experimentando mais, só para ver o que mais ele consegue criar.

"Django Livre" está longe de ser um dos melhores filmes de Tarantino (que para mim ainda são "Pulp Fiction" e os dois "Kill Bill"), entretanto até mesmo um filme menor do diretor consegue ser melhor do que muitos outros por aí.

NOTA: 3.5/5