Dir.: Clint Eastwood; Escrito por Dustin Lance Black; Com Leonardo DiCaprio, Naomi Watts, Armie Hammer, Judi Dench. 2011 - Warner (137 min. - 12 anos)
John Edgar Hoover, sem dúvidas, foi uma das figuras mais polêmicas da história norte-americana recente. O ex-diretor do FBI é adorado por um grupo, mas ferrenhamente odiado por outro, e no novo filme de Clint Eastwood, "J. Edgar", esta figura interessante é mostrada como uma mistura desses dois lados.
Hoover foi, durante toda a sua carreira, um ferrenho seguidor do ideal de Maquiavel: os fins justificam os meios. Para manter-se na diretoria do FBI durante o mandato de seis presidentes - iniciando em Theodore Roosevelt, em 1935, e terminando em Richard Nixon, em 1972 -, Hoover chantageava-os através de arquivos confidenciais que possuiam podres reais e fictícios dessas figuras, principalmente relacionados a casos extra-conjugais tanto do presidente quanto também da primeira-dama da época.
Além disso, conseguiu com que seu "bureau" usufruísse de privilégios de caráter ilegal, tudo por debaixo dos panos, óbvio.
Como se isso não bastasse, chegou a inventar histórias relacionadas às prisões de criminosos como o gângster John Dillinger, sempre de forma a elevar a sua reputação (e seu ego), visando a maior venda de histórias em quadrinhos que protagonizava (elevando seu ego, novamente), e que supostamente eram financiadas com o orçamento da própria organização. Digo tudo isso para mostrar que J. Edgar Hoover estava longe de ser um bom moço.
Porém, foi o mesmo Hoover que arrumou o FBI, transformando-o num órgão sério e de grande notoriedade. Para se ter uma ideia, foi Hoover quem revolucionou o ramo da criminalística: foi ele quem começou a usar a ciência para resolver os crimes que chegavam às suas mãos. Para isso, contou com o serviço de toda uma equipe especializada em analisar desde caligrafias até os mais diversos tipos de madeiras. Foi ele também quem começou a usar as impressões digitais para descobrir a identidade dos criminosos. Portanto, mesmo que tenha sido um grande manipulador, Edgar também foi o homem que mudou o jeito de investigar crimes, não só nos EUA como no munto todo. Se não fosse por ele, hoje não teríamos na televisão séries como "CSI". Pense nisso.
Porém, o longa de Eastwood não explora apenas a vida profissional de Edgar, mas também procura estudar a vida pessoal e a psique deste homem polêmico.
Um dos grandes mistérios da vida de Hoover foi o seu relacionamento com o seu braço-direito, Clyde Tolson. Acredita-se que ambos tenham sido parte de um caso homossexual por décadas, sendo praticamente casados. Apesar disso nunca ter sido comprovado, o roteiro de Dustin Lance Black (ganhador do Oscar pelo roteiro de "Milk - A Voz da Igualdade", de Gus Van Sant) aborda o assunto de uma forma bastante interessante. Nunca fica claro se eles realmente assumiram o relacionamento entre eles ou se, apesar de se amarem, eles continuaram sendo apenas grandes amigos, como um "bromance" da época. Portanto, o filme prefere tratar este ponto como um romance no estilo de "O Feitiço de Áquila". Se no filme de Richard Donner os protagonistas não podiam ficar juntos porque ela de dia era um falcão e ele à noite transformava-se num lobo, aqui os protagonistas não podem ficar juntos, pelo menos publicamente, devido aos padrões da época e à rejeição que receberiam da população em geral. Isso fica claro numa cena quando a mãe de Edgar, interpretada por Judi Dench, ao perceber que o filho tem uma certa aversão a qualquer relacionamento amoroso com uma mulher, chega a dizer que preferia ver um filho morto do que ter um filho homossexual. Essa repressão externa é tão forte que eles somente assumem a paixão que um tem pelo outro quando numa briga ocorre um beijo forçado.
Outro relacionamento importante no filme é a relação entre Hoover e sua mãe. Caracterizado por um forte complexo de Édipo por parte de Edgar (isto fica claro quando a mãe de Edgar morre e ele veste um de seus vestidos e fala de frente para o espelho: "Força, Edgar". A frase que a mãe do protagonista lhe disse uma vez.), o relacionamento mãe e filho é, neste caso, o mais próximo que Hoover já chegou de amar uma mulher.
Por fim, a última grande relação na vida de Edgar foi a grande amizade que ele teve com sua secretária de décadas, Helen Gandy. Ela sempre que pôde protegeu Hoover e em troca este sempre lhe foi fiel, nunca pensando em substituí-la e confidenciando-lhe os famigerados arquivos confidenciais - aqueles que ele usava para manipular os presidentes.
Indo para a questão técnica, o filme é muito bem feito, com figurino e cenografia adequadas às épocas nas quais a história se desenrola. Até mesmo a maquiagem, que foi duramente criticada pela enorme maioria dos críticos, é bem competente. A única que não convece muito é a do Tolson idoso, deixando o rosto de Armie Hammer com aparência emborrachada.
Além disso, todos do elenco, Naomi Watts como Helen, Hammer como Tolson, Judi Dench como a mãe de Hoover e Leonardo diCaprio, interpretando o personagem-título (injustamente esnobado pelo Oscar deste ano), estão muito bem em seus respectivos papéis.
Enfim, apesar de ser preconceituoso, sendo contra os comunistas e Martin Luther King (apesar disso ser um reflexo do pensamento dos indivíduos da época em que foi criado - final do século XIX e início do XX) e de certa forma, mal-caráter, John Edgar Hoover merecia uma cinebiografia, e "J. Edgar" de Clint Eastwood desempenha muito bem este papel.
NOTA: 4/5
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